A cada dado divulgado, uma nova decepção. O Ensino Médio da rede pública já vem dando sinais de fracasso há anos, com crescentes índices de evasão e baixo desempenho em provas nacionais e internacionais. Na terça-feira 4, foi a vez de o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostrar o quadro alarmante em que o País se encontra. O Ministério da Educação divulgou as notas de escolas cujos alunos prestaram a prova em 2015. Entre as mil melhores, apenas 15 fazem parte da rede estadual, que hoje concentra 84% dos alunos do Ensino Médio. Já entre as mil piores notas, 980 são de estaduais. Os melhores desempenhos entre as públicas são dos colégios de aplicação (ligados às universidades), os federais e os técnicos, que abrigam a menor parte dos estudantes. “Esse resultado mostra o fundo do poço. Chegamos a um patamar muito baixo”, afirma o diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos. O desafio, necessário e urgente, é reverter esse quadro. É o que o governo do presidente Michel Temer tenta fazer com a reforma do Ensino Médio, anunciada há um mês.

Por dentro do ENEM
Os dados divulgados mostram uma enorme diferença de desempenho entre escolas públicas e particulares

1.212.908
estudantes de 14.998 instituições de ensino participaram do teste

91%
das escolas públicas tiveram desempenho abaixo da média. Entre as escolas particulares, esse número foi de 17%

60%
das escolas públicas do País ficaram de fora do exame

486,5
foi a média da nota das escolas públicas

556,6
foi a média das escolas particulares

Sete
das dez escolas públicas com as melhores médias gerais são federais

Apenas 104
jovens chegaram à nota máxima da redação – 1.000

Todas as 20
escolas no topo da lista são particulares. Para estudar em uma delas, é preciso pagar entre R$ 1.055 e R$ 3.400 por mês

Cerca de 5.500
colégios de um total de 15.000 ou 38% não alcançaram o nível mínimo exigido pelo MEC

Fonte: Inep

Desestímulo

Diferentes problemas levaram a esse desempenho. Um dos mais graves é a falta de especialização e capacitação dos professores. Hoje, de cada 100 docentes de física, 60 não são formados na área. Em química, 40, e, em matemática, 27. “Se nem eles têm conhecimento sobre alguns conteúdos, como vão informar aos alunos?”, questiona Ramos. A resposta do que precisa ser feito é conhecida, mas o desafio é aplicá-la. Mudar esse cenário exigiria uma aproximação com as universidades e incentivar os estudantes do Ensino Médio a seguir na carreira docente. Somente 2% dos jovens que se formam no colégio vão para o magistério. O número baixo se dá justamente porque não há nada de atrativo. Pelo contrário: as estruturas são precárias, o ensino é engessado e não há qualquer perspectiva de crescimento. “O salário não é o maior problema, mas sim o plano de carreira”, diz Ramos. Um professor iniciante tem rendimento 11% menor se comparado a outras profissões com mesmo nível de formação, número que sobe para 70% quando a pessoa está prestes a se aposentar. É preciso valorizar o educador e investir em uma formação continuada e próxima da realidade das salas de aula.

PRECARIEDADE Sem estrutura e sem estímulo, 680 mil alunos abandonam o Ensino Médio anualmente
PRECARIEDADE Sem estrutura e sem estímulo, 680 mil alunos abandonam o Ensino Médio anualmente

Na análise dos resultados do Enem, é importante ressaltar que os índices socioeconômicos dos alunos são tão preponderantes em seu desempenho quanto o que é ensinado nas escolas. “O bairro onde o colégio está localizado e o perfil da família são variáveis de contexto para tornar mais justa a comparação”, afirma Maria Helena Guimarães Castro, secretária-executiva do MEC. Na avaliação da fundadora e presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, o fator econômico não pode ser uma justificativa. “Se sabemos qual o problema pela tonelada de dados anuais, qual a conclusão? Que é preciso dar mais para quem tem menos”, afirma. São necessárias políticas educacionais mais incisivas, além da formação de professores, que melhorem a qualidade do ensino. Medidas que envolvem aumento de recursos, embora o Brasil passe por um período de ajuste fiscal e a educação tenha sua verba ameaçada.

Com os dados apresentados na terça-feira 4, 91% das escolas públicas brasileiras se encontram abaixo da média. Na quinta-feira 6, porém, o MEC informou que, por um equívoco que ainda está sendo apurado, 96% dos institutos e centros federais não constaram na lista das notas. “Vamos abrir uma apuração administrativa e divulgar as pontuações”, afirma Maria Helena Guimarães Castro. Com a nova lista, a média das públicas deve subir alguns pontos. Ainda assim, no geral, 60% das escolas públicas brasileiras não tiveram suas notas divulgadas, mas por outro motivo: metade dos alunos dessas instituições não participou da prova, critério essencial para que os dados sejam publicados. “Isso mostra que um grupo enorme de jovens brasileiros acredita que o Enem não é para eles”, afirma Priscila, do Todos pela Educação. Segundo a especialista, eles acreditam que não vão se sair bem, que a prova não serve para nada ou veem o exame apenas como porta de entrada para a universidade. Esse dado é bastante emblemático, ao mostrar como o Ensino Médio das escolas públicas está distante da realidade de milhares estudantes, principalmente dos que já trabalham – que não são poucos. Entre os que cursam o período diurno, 33% dividem os estudos com o trabalho. No período noturno, o índice sobe para 68%.

A primeira do ranking
A particular mais bem avaliada

ensino-02-ie

Entre as 14.998 escolas avaliadas, ocupa o topo da lista o colégio Objetivo Integrado, de São Paulo, formado por alguns dos melhores alunos da rede Objetivo, que passam por entrevista prévia. Daí vem a crítica: criou-se uma nova unidade com as melhores cabeças para se destacarem nas provas e promoverem o nome da escola em rankings, como no caso do Enem. A coordenadora pedagógica Vera Lúcia da Costa Antunes afirma que a unidade foi criada para preparar alunos para olimpíadas científicas, e hoje é também voltada para mostrarem conhecimentos mais avançados. A mensalidade ultrapassa os R$ 2 mil.

MUDANÇA NO CURRÍCULO

A criação de uma medida provisória para mudar o currículo do Ensino Médio foi a saída encontrada pelo governo federal para tentar aproximar os alunos das escolas, melhorar o aprendizado e prepará-los para o futuro profissional. Hoje em dia há aproximadamente 1,7 milhão de pessoas entre 15 e 17 anos fora das salas de aula. A evasão custa ao País R$ 3,7 bilhões anualmente. Como evitar que os estudantes desistam dos livros sendo que o modelo atual, como explicam especialistas e educadores, é desestimulante? “Nossa escola é do século passado, totalmente distante da cultura jovem”, afirma Maria Helena, do MEC. A ideia do novo currículo é aumentar o ensino integral e ampliar cinco áreas de interesse: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Disciplinas obrigatórias serão diminuídas e estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular, a ser definida em 2017. A reforma curricular pretende também ajudar o jovem que já tem uma atividade profissional e precisa de uma formação mais direcionada. “Está mais do que claro que precisamos mudar. Hoje, de cada 100 alunos formados, só nove aprenderam o que era esperado”, afirma Mozart Ramos, do Instituto Ayrton Senna.

"Nossa escola é do século passado” Maria Helena Guimarães Castro, secretária-executiva do MEC
“Nossa escola é do século passado” Maria Helena Guimarães Castro, secretária-executiva do MEC

Ainda que o problema seja centralizado na educação pública, educadores concordam que as escolas particulares não são exatamente um exemplo a ser seguido. Segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgados no começo de setembro, a diferença entre as particulares e as públicas tem diminuído ano após ano, principalmente porque as privadas têm pontuações cada vez mais baixas. Mais uma vez, há um problema de currículo que não conversa com os alunos, ainda que de classes sociais mais altas do que os que frequentam a rede pública. “Hoje as aulas são um pout pourri de conteúdos que não se conectam entre si”, afirma Maria Helena. As notas no Enem também funcionam como marketing para atrair pais interessados em ver filhos estudando nas melhores universidades brasileiras. Por isso, muitos colégios seguem uma cartilha de aprendizado focada na preparação para exames. “Mas o objetivo da escola deve ser garantir a formação do aluno, não fazer com que ele tire uma boa nota no Enem”, afirma Priscila Cruz.

Esse resultado mostra o fundo do poço” Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna
Esse resultado mostra o fundo do poço” Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna

A perspectiva do estudante
Pesquisa feita pelo Instituto Inspirare com jovens brasileiros mostra o que pensam da escola e como gostariam que ela fosse

132 mil
jovens de 13 a 21 anos de todo o Brasil foram ouvidos

90%
dos estudantes não estão satisfeitos com as aulas e os materiais pedagógicos

8
em cada 10 acreditam que a relação dos alunos com a equipe escolar e com seus colegas precisa melhorar

50%
consideram o prédio e a estrutura de suas escolas inadequados

27%
querem usar tecnologia e 36% desejam realizar atividades práticas ou resolução de problemas para aprender mais

18%
preferem ter disciplinas obrigatórias no horário da aula e escolher as do contraturno

32%
querem ter ambientes e móveis variados, como pufes, bancadas, almofadas e sofás

Fotos: divulgação; Danilo Verpa/Folhapress; Marcelo Carnaval/Agência O Globo; Silvia Costanti/Valor/Folhapress