O Ministério Público Federal (MPF) moveu ação civil pública contra a União por constatar falta de reserva de vagas para população transexual e travesti para o cargo de auditor-fiscal do trabalho no Concurso Público Nacional Unificado, o chamado ‘Enem dos Concursos’. O pedido é de danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões.

A ação foi movida após o Ministério da Gestão da Inovação em Serviços Públicos responder que não acataria recomendação do MPF, feita no último dia 10, para que houvesse inclusão de cotas para pessoas trans no edital para a referida função.

A quantia deve ser destinada à capacitação de gestores públicos federais, estaduais e municipais sobre o mercado de trabalho e pessoas trans; campanhas educativas sobre pessoas trans fora de espaços marginalizados e custeio de cursos preparatórios para concursos públicos para pessoas trans. Tais projetos deverão ser apresentados, posteriormente, à Justiça, com participação de conselhos e entidades representativas da comunidade LGBTQIA+ e do MPF.

Na ação, o MPF aponta que o comportamento contraditório da Administração Pública, ao se comprometer com a criação de uma ação afirmativa e depois se omitir na hora de institui-la, quebra expectativa legítima de parcela da população a qual se destinaria a política pública, e viola os princípios da confiança e da boa-fé objetiva.

A ação lembra que no dia 29 de junho o ministro do Trabalho e Emprego afirmou que no próximo concurso de auditor-fiscal do trabalho haveria reserva de vagas para pessoas trans. E que no dia 28 do mesmo mês, o próprio presidente da República fez anúncio no mesmo sentido. Tais falas tiveram ampla repercussão na imprensa nacional, gerando legítima expectativa na população LGBTQIA+ brasileira quanto à implementação da ação afirmativa.

Na resposta à recomendação do MPF, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos afirmou que, ao decidir participar do Concurso Unificado, o Ministério do Trabalho e Emprego deveria aceitar as regras comuns a todos os órgãos aderentes, e que uma das regras é a não previsão de cotas para pessoas transgênero. Além disso, a pasta argumentou que não há previsão legal para a implementação da cota, apesar de o MPF ter demonstrado na recomendação que tal política afirmativa não tem como requisito a prévia autorização ou a criação de lei específica, citando diversos precedentes, incluindo instituições como universidades públicas, o Governo do Rio Grande do Sul, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

Segundo o MPF, “a União, ao externar a pretensão administrativa referente à previsão de vagas para pessoas trans, por meio de atos públicos e voluntários, reconhece a constitucionalidade e a imprescindibilidade da ação afirmativa”, sendo, portanto, injustificável a conduta omissiva. Diante de comportamento contraditório, o poder público tem o dever corrigi-lo, seja por meio da prática de condutas que devem ser cumpridas, seja por meio da reparação dos interesses difusos violados, com medidas compensatórias da política pública não implementada.

O MPF pede também que a União seja condenada à realização de ato público de pedido de desculpas à comunidade trans, com a menção da ação civil pública movida pelo órgão, a ser divulgado em nota oficial veiculada em todos os canais oficiais de comunicação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Público e da Presidência da República.

A ação é assinada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão do Acre, Lucas Costa Almeida Dias, e pela procuradora regional dos Direitos do Cidadão de Sergipe, Martha Figueiredo, que conduziam inquéritos civis sobre o tema em suas respectivas Procuradorias e expediram, juntos, a recomendação.

Íntegra da ação civil pública