Diagnosticado com diabetes tipo 1 aos nove anos, o estudante e residente de Salto do Jacuí no Rio Grande do Sul, Augusto Brito, prestou, em 2024, o Enem (Exame Nacional do ensino médio) como treineiro, ainda quando cursava o segundo ano do ensino médio. Mas foi retirado da prova após o alarme que controla seu sensor de glicemia disparar.
Neste ano, porém, o aparelho foi incluso nos itens permitidos no dia do exame. A decisão foi recebida com alívio por famílias e entidades de saúde, que vinham pressionando o órgão por mais inclusão. Além de Augusto outros 3211 candidatos com diabetes solicitaram atendimento especializado, sendo que 2518 também indicaram a necessidade do uso do aparelho para aferir a glicemia.
“Foi um grande avanço. E tomara que isso se estenda para outros concursos”, comemorou à IstoÉ o pai de Augusto, Rudnei Noro, que após o diagnóstico do filho, começou a dar palestras em cidades pequenas para conscientizar sobre a doença.
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Expulsão em 2024 e retorno à prova
Augusto conta que, no ano passado, durante a aplicação da prova, sua glicose chegou ao nível 180, considerada alto, o que fez o sensor disparar. “Eu saí sem entender o que estava acontecendo. Tentei explicar, mas ninguém quis ouvir”, relembra o jovem.
Segundo ele, no campo de inscrição para a prova em 2024, não havia um campo específico para que o estudante informasse que era diabético. “Entrei na sala e tinha meu laudo, mas [na ficha de inscrição] não tinha especificação para que eu informasse que era diabético. Então, eu também não tive acesso a pedir, por exemplo, uma hora a mais de prova ou que fosse reservada uma sala individual para mim, o que eu posso fazer agora em 2025″, disse o aluno.
O caso ganhou repercussão nacional e expôs uma lacuna nas regras do Enem. A doença de Augusto não pode ser controlada apenas com medicação antes da prova — o monitoramento é constante, especialmente em situações de estresse prolongado, como a realização de um exame de longa duração. O nervosismo interfere diretamente na glicemia, e até mesmo quem se alimenta corretamente e toma insulina pode ter variações durante o teste.
Hoje, Augusto se prepara para voltar ao Enem. Mais confiante, ele vê na nova norma uma forma de reparação. “Fiquei extremamente feliz que a gente conquistou esse direito de usar os aparelhos de glicose sem nenhuma restrição, embora muitos diabéticos aqui no Brasil tenham tido esse recurso negado”, afirma.
A cruzada de diabéticos em provas longas
A endocrinologista Solange Travassos, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), explica que tanto a hipoglicemia (queda brusca da glicose) quanto a hiperglicemia (aumento dos níveis de açúcar) prejudicam o raciocínio e o desempenho cognitivo.
“Quando a glicose está abaixo de 70 ou acima de 250, o cérebro não funciona bem. O aluno perde foco, pode desmaiar ou ter confusão mental. É uma questão de segurança, não de privilégio”, afirma.
Segundo a médica, o caso de Augusto ilustra o impacto de regras pouco sensíveis às necessidades médicas. “O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune que surge, em geral, na infância. Ela não tem relação com o estilo de vida e exige acompanhamento permanente. Sem monitorar a glicose, o paciente corre risco real de vida”, explica. Estima-se que mais de 600 mil brasileiros vivam com o tipo 1 da doença.
Em nota, a SBD esclareceu que desde que os debates sobre a proibição do uso dos celulares em escolas começaram, várias entidades de pessoas com a condição diabética e seus familiares iniciaram diálogos com o Ministério da Educação e o INEP, visando o bem-estar de alunos diabéticos.
Em comunicado, o INEP informou que o atendimento especializado para diabetes está garantido entre os recursos de acessibilidade do Enem 2025. Os participantes poderão usar aparelho para medir glicemia, desde que o equipamento passe por vistoria dos coordenadores no local de prova. O atendimento especializado deve ser indicado e comprovado por meio de laudo médico no ato da inscrição e ou até dez dias antes da aplicação do exame.
*Estagiário sob supervisão