Empresas ‘fantasmas’ de braço direito de Júnior Mano receberam R$ 91 mi em recursos federais

A Polícia Federal descobriu repasses que somam R$ 91,6 milhões em recursos públicos federais para municípios do Ceará que acabaram migrando para o caixa de um grupo de empresas fantasmas que teriam sido criadas pelo prefeito Carlos Alberto Queiroz, o ‘Bebeto do Choró’, apontado como braço direito do deputado Júnior Mano (PSB-CE) em suposto esquema de desvios de emendas parlamentares.

O Estadão busca contato com Bebeto, foragido da Justiça há mais de seis meses. O gabinete de Júnior Mano informou, na semana passada, quando o parlamentar foi alvo de buscas da PF na Operação Underhand, que ele ‘não tem qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos’ (leia abaixo a íntegra da manifestação)

Segundo a PF, a análise de contas bancárias e o cruzamento com sistemas do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Tribunal de Contas do Estado do Ceará indicam que pessoas jurídicas de ‘fachada’ – criadas só no papel com capital social fictício – ligadas a Bebeto movimentaram R$ 455 milhões entre 2023 e 2025, dos quais cerca de 20% tem ‘origem comprovada’ em verbas da União descentralizadas a municípios cearenses.

Na semana passada, a PF deflagrou a Operação Underhand, investigação sobre desvio de emendas destinadas a pelo menos 50 municípios cearenses. O deputado Antônio Luís Rodrigues Mano Júnior, ou Júnior Mano – seu nome nas urnas -, é o alvo principal do inquérito, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal.

A investigação aponta que o parlamentar teria destinado pelo menos R$ 120 milhões para prefeituras do sertão do Ceará, inclusive Choró, da qual Bebeto foi eleito prefeito no pleito de outubro do ano passado.

‘Apadrinhado’ de Júnior Mano, ele conquistou a prefeitura de Choró – município com 12 mil habitantes situado a 165 quilômetros de Fortaleza -, segundo os investigadores, no comando de uma audaciosa máquina de compra de votos, intimidações e até ameaças de morte a rivais feitas por ‘soldados’ do Comando Vermelho, a cruel facção do crime organizado baseada no Rio que espalhou o terror no sertão cearense.

Segundo a PF, o plano de Júnior Mano e Bebeto previa assumir o domínio político de toda a região a partir das eleições municipais do ano passado.

A Operação Underhand identificou o caixa gordo de empresas controladas por Bebeto do Choró que já estavam na mira de uma outra investigação, denominada Operação Camisa Sete.

Uma dessas empresas tem como sócio Maurício Gomes Coelho, um vigia, de 37 anos, que a PF acredita ser laranja de gestões municipais que fecharam contratos de quase R$ 320 milhões com o grupo ligado à facção CV.

Durante as investigações, a PF esbarrou em Maurício e descobriu que ele recebia salário mensal de R$ 2,4 mil e abriu uma empresa com capital social de R$ 8,5 milhões.

Em janeiro passado, o Estadão mostrou que a PF registrou não ter encontrado ‘elementos que justifiquem’ o fato de o vigia ter constituído a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Ltda, contratada por administrações municipais a peso de ouro. O valor global de contratos da MK com 47 gestões municipais soma R$ 318.927.729,42.

A reportagem busca contato com a defesa do vigia. O espaço está aberto.

Maurício e a MK seriam peças importantes do esquema, segundo os investigadores. Pelo menos outras sete empresas também teriam sido contempladas por meio de contratos de grande valor com gestões públicas cooptadas pelo crime organizado.

Ao decretar o confisco de R$ 54 milhões de Júnior Mano, Bebeto do Choró e de outros alvos da investigação, Gilmar Mendes destacou que a PF informou que ‘os investigados utilizam contas bancárias próprias e de terceiros, incluindo familiares, assessores e titulares de programas sociais, como instrumento para a simulação de recebimentos de origem lícita e dissimulação de valores’.

O ministro alertou que o esquema continua em aberto, apesar de a investigação já estar em curso desde o final de 2024. “Diversas dessas contas, conforme demonstrado, contornam atuais operações, mesmo após medidas cautelares já aplicadas e ações repressivas em níveis distintos, mantendo a pulverização de valores e a rotatividade do sistema de transações, um desafio para retirada dos recursos.”

Para Gilmar, a PF ‘demonstrou os vínculos entre os investigados, a existência do esquema, os benefícios indevidos, a habitualidade e a dissimulação da origem dos recursos movimentados de modo ilícito’.

O bloqueio de ativos foi ordenado pelo ministro e recaiu sobre ‘valores encontrados nas contas e investimentos vinculados aos investigados e às empresas por eles diretamente controladas’ – nos termos do artigo 140 do Código de Processo Penal para garantir o ressarcimento ao dano ao erário e também as despesas processuais e as penas pecuniárias.

O Estadão apurou que a PF juntou ao inquérito cópias de mensagens extraídas de aparelhos celulares de investigados, entre eles Adriano Almeida Bezerra, ex-assessor de Júnior Mano, ‘para concluir que há elementos consistentes que evidenciam tratativas sobre desdobramentos do esquema de desvio de recursos públicos com a destinação de valores a agentes públicos, contratos em nome de laranjas, além da utilização de entidades do terceiro setor (associações) vinculadas a Carlos Alberto Queiroz (Bebeto do Choró), Cícero Queiroz e Maurício Gomes Coelho’.

A PF informou Gilmar Mendes que a investigação “revelou a existência de um sofisticado esquema de lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos, operado a partir da atuação de Alexandre ‘Aki Frutas da Mombaça’, indicado por Carlos Alberto Queiroz Pereira, vulgo ‘Bebeto do Choró'”.

Segundo o ministro, a Polícia Federal ‘demonstrou a contento a materialidade e os indícios de autoria, pois revelam que os investigados têm adotado estratégias para dissimulação da origem dos recursos movimentados e da sua real titularidade, sendo impositivo o deferimento do bloqueio requerido’.

COM A PALAVRA, O GABINETE DE JÚNIOR MANO

“O deputado Júnior Mano não tem qualquer participação em processos licitatórios, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos.Como parlamentar, o deputado não exerce qualquer função executiva ou administrativa em prefeituras, não participa de comissões de licitação, ordenação de despesas ou fiscalização de contratos administrativos.O parlamentar reafirma sua confiança nas instituições, em especial no Poder Judiciário e na Polícia Judiciária Federal, e reitera seu compromisso com a legalidade, a transparência e o exercício probo da função pública.Tem plena convicção de que, ao final da apuração, a verdade dos fatos prevalecerá, com o completo esclarecimento das circunstâncias e o reconhecimento de sua correção de conduta.”

COM A PALAVRA, BEBETO DO CHORÓ

O Estadão busca contato com o prefeito Bebeto do Choró, foragido da Justiça há mais de seis meses, sem sucesso. O espaço está aberto (fausto.macedo@stadao.com; nino.guimarães@estadao.com)