RENOVÁVEL Usina solar na Tailândia (Crédito:Prapan Chankaew)

É o fim de uma era. A indústria petrolífera está abandonando a matriz energética que reinou por mais de um século. Pressionadas pela sociedade e pelos investidores, as grandes petrolíferas europeias e a ExxonMobil, a maior dos EUA, anunciaram planos para reduzir as emissões de CO2 e acelerar a transição para o uso de energias renováveis ou com baixa emissão de carbono, como o hidrogênio e o gás natural. A francesa Total anunciou que é uma “empresa de energia”, e não mais uma petrolífera. A Shell, maior petrolífera europeia, anunciou em 9 de junho que aumentará os cortes das emissões de CO2 até 2030, de 20% para 45%, com investimentos anuais de US$ 3 bilhões (R$ 15,2 bilhões) em energias de baixo carbono.

A transição para a energia limpa, contudo, levará pelo menos 15 anos. É um movimento que já estava em curso e havia sido parcialmente revertido pelo ex-presidente dos EUA Donald Trump. Mas foi retomado por Joe Biden, que revogou todas as licenças para a exploração do petróleo no estado do Alasca. O país voltou assim a ficar alinhado com a União Europeia, que cancelou todos os incentivos para os combustíveis fósseis em 7 de junho. O Fundo de Transição Ecológica terá orçamento de 17,5 bilhões de euros (R$ 103,2 bilhões), a serem repartidos entre os 27 países do bloco até 2025. O objetivo é abandonar o carvão e o petróleo e migrar para energias de baixo carbono. “O Fundo dará apoio às mudanças em direção a uma sociedade mais justa e a uma economia limpa”, diz Elisa Ferreira, comissária europeia para Coesão e Reformas. Os planos da UE seguem o Acordo de Paris: zerar as emissões de dióxido de carbono até 2050.

A opção das empresas por energias renováveis começou em 2001, a partir da espanhola Iberdrola, hoje uma das gigantes energéticas. Atualmente, a Iberdrola, dona da concessionária Elektro e da geradora Neoenergia no Brasil, trabalha na montagem de usinas eólicas offshore nos EUA, no estado de Massachusetts (no Brasil, a Neoenergia opera 17 parques eólicos no Nordeste).

Em maio, um tribunal holandês determinou que a Shell reduzisse as suas emissões de CO2 em 45% até 2030, sobre os níveis de 2019 — o plano da petrolífera era reduzir em 20%. Em 9 de junho, o executivo-chefe da Shell, Ben van Beurden, disse que a decisão acelerará os planos da empresa. Segundo ele, a transição não pode ser muito rápida, porque precisa dar tempo para a indústria automotiva se adaptar — na Europa, as montadoras planejam que metade da produção seja de carros elétricos e híbridos até 2025. Também em maio, o fundo de investimentos Engine No.1, acionista da ExxonMobil, conseguiu que três executivos da petrolífera, que relutavam em investir em energia renovável, fossem demitidos. A companhia se comprometeu a investir US$ 3 bilhões por ano em energias renováveis. O Engine teve o apoio total do BlackRock, maior fundo de investimentos do mundo.

POLUIÇÃO Refinaria em Corpus Christi, no Texas: EUA emitem 20% do dióxido de carbono (Crédito:RoschetzkyIstockPhoto)

Questão geopolítica

Além das pressões da sociedade, existe um fator geopolítico: não depender mais do petróleo, do qual 60% das reservas verificadas estão no Oriente Médio e 20%, na Venezuela. “A China, por exemplo, investe muito porque não quer mais depender do petróleo”, comenta Magno Botelho, professor de Ciências Biológicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele lembra que o Brasil, apesar do desmatamento ilegal, ainda está em uma posição favorável quando o assunto é a emissão do dióxido de carbono. “O País gera pelo menos 70% da sua energia da matriz hidrelétrica. Ao contrário da China, Japão, EUA e Europa, onde a queima de combustíveis fósseis produz 80% da eletricidade, no Brasil a liberação do CO2é baixa”, observa. O especialista afirma que, com a opção das montadoras pelo carro elétrico, sobrará pouco espaço para o motor a combustão. “No Brasil, o motor a combustão ainda sobreviverá porque temos o etanol, que é um combustível vegetal.” E porque o País está atrasado nessa transição, pode-se acrescentar. O governo ainda incentiva o modelo automotivo sem o estímulo para os motores elétricos. A Petrobras, depois de quase quebrar com o escândalo do Petrolão, passou a priorizar em 2019 a exploração do pré-sal, abandonando projetos ligados à energia renovável. E há analistas que já temem que o pré-sal perderá seu valor estratégico pelo atraso na exploração.

“O Fundo Europeu dará apoio às mudanças em direção a uma sociedade mais justa e a uma economia mais limpa com o clima”
Elisa Ferreira, Comissária da União Europeia (Crédito:Armando Franca)

Não é o caso dos países desenvolvidos. “O plano da Shell, de fazer a transição do petróleo para energias renováveis em 15 anos, me parece bem razoável”, diz Anderson Dutra, sócio em energia e recursos renováveis da consultoria KPMG. Os planos das petrolíferas chegam em hora mais do que urgente. Em maio de 2021, a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera voltou a crescer e chegou a 419 partes por milhão, acima das 417 partes por milhão de maio de 2020, durante o auge da pandemia. O dado reafirma que os combustíveis fósseis, cada vez mais, estão com os dias contados.