No primeiro mês de seu segundo mandato na prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) se viu no centro de um imbróglio judicial e político provocado pelo desacato de empresas de transporte por aplicativo à proibição de mototáxis na cidade.
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Embate judicial
Em 14 de janeiro, a 99 decidiu retomar a oferta de mototáxis na capital paulista à revelia da proibição do serviço, imposta pela prefeitura em um decreto de 2023.
Como reação, a prefeitura promoveu blitzes para apreender motocicletas e aplicar multas e, em seguida, uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sustentou a suspensão. Mesmo assim, as concorrentes 99 e Uber se uniram para manter um “serviço pirata” em boa parte da cidade.
A insistência refletiu o peso econômico do serviço para o setor. Bruno Rossini, diretor de Comunicação da 99, disse ao site IstoÉ Dinheiro que o 99Moto tem realizado 30 mil corridas diárias desde que retomou a operação. Para a companhia, a legislação federal só dá poder à prefeitura para fiscalizar e regulamentar o serviço, e não proibi-lo.
Mas Nunes não recuou. Citou os índices de mortalidade elevados pelo serviço, defendeu a autonomia da administração para decidir sobre a prática, pediu à Polícia Civil a abertura de um inquérito para investigar as empresas e prometeu novas multas.
Ao site IstoÉ, a gestão informou que, entre 2023 e 2024, o número de mortes de motociclistas passou de 403 para 483, e o de internações por acidentes com o veículo, de 3.432 para 3.744.
Em outra esfera
O impasse caminhou para a arena política. Vereadores de partidos que integram a base de Nunes, Kenji Palumbo (Podemos) e Lucas Pavanato (PL) se articularam para derrubar o decreto que impede a operação de mototáxis e legalizar o serviço.
Kenji apresentou um Projeto de Decreto Legislativo para suspender o ato normativo da administração. Para que tramite no plenário, o PDL depende de 37 assinaturas. A aprovação, por sua vez, depende de dois terços da Câmara.
Já Pavanato protocolou o Projeto de Lei 17/2025, que visa regulamentar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros em motocicletas. O vereador acredita que o texto deve ser usado para o debate do tema no Legislativo paulistano. A proposta depende de maioria simples para ser aprovada no plenário.
Atrito à vista
Ao site IstoÉ, Kenji disse que, além dos motociclistas, a população é afetada pela falta do serviço e que não está contra a prefeitura, mas “em favor da população”.
Pavanato criticou em especial a apreensão das motos a aplicação de multa de R$ 7.100,67 aos motociclistas que prestavam o serviço. “[O valor da multa] quebra qualquer pessoa humilde que esteja trabalhando com isso. O papel da prefeitura não é de perseguir o trabalhador, mas ajudá-lo e punir quem é criminoso“, disse ao site IstoÉ.
Embora integre o PL, partido do vice-prefeito Ricardo Mello Araújo, e tenha apoiado Nunes no segundo turno das eleições de 2024, vale lembrar que o vereador se elegeu com uma plataforma radical e, após o primeiro turno do pleito, chegou a boicotar uma reunião que o emedebista marcou com parlamentares eleitos.
Nesta discussão, as divergências se impuseram e Pavanato afirmou que a base de Nunes está “revoltada”. “A direta tende a ficar a favor do meu projeto, até por uma questão ideológica. Já a esquerda está em uma sinuca de bico, porque eles têm o discurso de defesa do trabalhador, mas trabalham para inviabilizar os aplicativos e as novas tecnologias da cidade”, afirmou.
Já a vereadora Amanda Paschoal (PSOL) disse que o plenário está ansioso para debater o tema. “O presidente Ricardo Teixeira [União Brasil] indicou que o tema dos mototáxis será prioridade no início dos trabalhos. O clima perceptível é de que precisamos começar a escuta de todos os atores envolvidos”, finalizou.
No Edifício Matarazzo, um secretário minimizou ao site IstoÉ a reação de parlamentares contra a inflexibilidade do prefeito no caso e disse se tratar de uma ação de “apenas um” vereador.
Na base governista, o movimento para respaldar Nunes foi puxado pelo vereador Marcelo Messias (MDB), que apresentou na quinta-feira, 23, um projeto de lei para consolidar a proibição ao mototáxi na cidade até que os índices de mortalidade no trânsito atinjam, no máximo, 4,5 por 100 mil habitantes.
“Não há desconforto entre a base. O que falta é discussão sobre esse serviço, para definir regras e impedir que mortes aconteçam. Até que seja construído, entre os vereadores, o Executivo, as associações e os motoboys, um diálogo amplo e que forneça um entendimento amplo sobre a cidade de São Paulo e os riscos, é mais seguro que haja uma proibição”, disse Messias ao site IstoÉ.
Major Marcos Palumbo (PP) foi na mesma direção e endossou a argumentação governista. “Esse transporte gera insegurança, dadas as dimensões e dificuldades do trânsito de São Paulo. Sem uma discussão sobre as áreas delimitadas, uso de equipamentos e a obrigatoriedade de um seguro para que as plataformas arquem com os custos de acidentes, o município vai arcar com todos o ônus“, disse ao site IstoÉ.