Na segunda-feira 14, quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, anunciou que o governo recuara da decisão anunciada de se retirar do acordo climático de Paris, o ministro da Economia, Paulo Guedes, respirou aliviado. A equipe econômica já antevia sérios problemas para os negócios brasileiros e para as relações comerciais com os países caso o Brasil ficasse marcado como uma nação sem compromissos ambientais. Em linha pragmática semelhante, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, trabalha nos bastidores para desestimular o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a mudar a embaixada em Israel de Telaviv para Jerusalém, temendo prejuízos na venda de alimentos para os árabes. E o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, admite calafrios quando escuta alguém defender que a Terra é plana e que convicções religiosas devem interferir nas experiências científicas.

Como no clássico da literatura de terror “O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, escrito em 1886 pelo escritor escocês Robert Louis Stevenson, desde a posse de Jair Bolsonaro convivem no mesmo corpo dois governos. Um deles tem traços modernos: quer inserir o país entre as economias liberais, dar segurança jurídica e conferir menor burocracia aos empreendimentos, além de alavancar o conhecimento científico e tecnológico. O outro, porém, preocupa-se com a cor da roupa de meninos e meninas, enxerga pregações socialistas nas escolas, é contra a formação de blocos econômicos, confunde globalização com globalismo e defende que o criacionismo seja ensinado nas escolas ao lado do evolucionismo. Mistura religião e ciência. O próprio Paulo Guedes já admitiu isso, ao dizer que se trata de um governo conservador nos costumes e liberal na economia. Em menos de três semanas, porém, o convívio entre esses dois mundos deu mostras de que não será tão pacífico. Há conflitos entre as linhas de pensamento do dr. Jekyll e do Mr. Hyde que habitam o corpo do governo Bolsonaro.

Na maioria dos casos, tais conflitos ainda se dão apenas nos bastidores. Uma discussão, porém, tornou-se pública, envolvendo a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, e o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. Na semana passada, veio a público um vídeo em que a ministra dizia que a igreja tinha perdido espaço ao permitir, sem contraponto, que a teoria da Evolução de Charles Darwin ganhasse as escolas. Pontes respondeu, dizendo que ciência e religião não deviam se misturar.

Conservadores

Para o analista Leopoldo Vieira, da empresa de assessoria Ideal Politik, há possibilidade de esses conflitos se agudizarem, mesmo envolvendo a sociedade. Embora isso tenha prosperado nas eleições, nem todo brasileiro é assim tão conservador, avalia. Ele pondera, porém, que tal linha de pensamento prospera no mundo e, nesse sentido, Bolsonaro poderá encontrar amparo internacional. Não se pode negar, por outro lado, que existe uma ponte conservadora no mundo.

Mesmo na cúpula do governo, porém, há quem admita que o discurso radical conservador é uma cortina de fumaça para manter a atenção de setores do eleitorado afinados ao novo governo. Mas aí, também, pode haver um perigo. Se tais setores estiverem sendo iludidos, poderão acabar frustrados. E exigirão as manifestações do Mr. Hyde. Dr. Jekill precisará ficar atento.

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