O trabalhador brasileiro precisa reagir para não perder o bonde da 4ª Revolução Industrial, protagonizada por robôs e pela inteligência artificial. É o que afirma Eduardo Thuler, 42 anos, CEO da Catho, maior site de recolocação profissional do Brasil. Nesta entrevista à ISTOÉ, ele ressalta que, embora o desemprego seja crescente, as empresas ainda encontram muita dificuldade para encontrar mão de obra qualificada para atender às demandas dos novos tempos. “Cada vez mais todos os empregos estão se transformando em empregos de informação”, diz. “Queremos que as pessoas pensem, tomem decisões e façam mudanças”. Segundo ele, apesar da busca incessante por empregos no Brasil, as empresas, muitas vezes, não encontram ninguém dentro do perfil que estão buscando e frequentemente o problema de qualificação não é por causa de uma tecnologia recente ou alguma novidade, mas pela falta de uma capacidade mais básica, tanto emocional, como intelectual e de comunicação. No novo mercado, robôs tenderão a fazer cada vez mais serviços hoje executados pelo homem. E com maior eficiência.

A taxa de desemprego subiu de 11,8% para 13,1% no primeiro trimestre deste ano. O que fazer para estancar essa perda de vagas?

A economia precisa voltar a crescer. Nos últimos anos temos visto mais vagas serem fechadas do que abertas e isso tem grande impacto no mercado. É fato que o desemprego voltou a crescer, mas a nossa leitura é que parte desse movimento é sazonal. No médio prazo há uma tendência positiva. Lentamente, a economia avança.

Qual sua expectativa em relação à taxa de desemprego futura?

Essa é uma taxa curiosa porque monitora quantas pessoas buscaram emprego. Então é natural que, na medida em que a economia vai se recuperando, as pessoas decidam ir em busca de um emprego. A taxa pode ficar instável por algum tempo, mas no médio e longo prazo, se a economia continuar na direção que está e a gente voltar a ter crescimento do PIB, o emprego irá crescer. Há uma distância entre o faturamento das empresas e o volume de pessoas que elas usam. Quando o empresário se convence de que contratar mais pessoas é uma ideia financeiramente sólida, ele volta a contratar.

O desemprego entre jovens de 18 a 24 anos atinge 20%. Os jovens estão sofrendo mais na atual situação?

Estão sofrendo mais. Infelizmente isso é frequente. Quando as empresas precisam fazer escolhas de curto prazo, há uma tendência de tirar o foco do desenvolvimento de pessoal, dos programas de estágio e de trainee, para buscar pessoas mais experientes. O problema é que o desenvolvimento tem um custo imediato e só gera retorno no médio prazo. As empresas querem um retorno rápido das pessoas que estão contratando. Isso acontece no mundo inteiro, não só no Brasil.

Como se porta a mente do jovem que está tentando entrar no mercado de trabalho em plena crise?

Acompanhando os jovens, a gente nota que no começo ele tem objetivos ambiciosos, quer trabalhar em uma empresa com bons propósitos, quer um equilíbrio entre vida e trabalho, quer mais autonomia. Mas, na medida em que o mercado fecha as portas, ele vai abrindo mão dessa expectativa e começa a aceitar o que aparece, sem se preocupar com o perfil da empresa.

E o que acontece com os profissionais mais maduros?

No meio da crise, há dois anos, vimos uma juniorização da mão de obra, com as empresas demitindo profissionais mais sêniores e buscando pessoas mais jovens, com dois a cinco anos de experiência, por um salário mais baixo. Esse movimento não vem mais acontecendo. Fazer isso por muito tempo gera impactos negativos, a empresa perde a capacidade de planejar e fazer projeções. Foi um movimento pontual que não se sustentou.

Quem está em vantagem hoje na competição pelas vagas?

Há segmentos quase imunes à crise e que continuam crescendo fortemente, caso da área de tecnologia. Um cargo que está em altíssima demanda é o de cientista de dados. Programadores em geral, engenheiros de software, gerentes de produto, especialistas em mobilidade estão em alta, assim como o marketing digital. A área da saúde é outra que está andando bem. Tanto médicos como farmacêuticos e até professores de educação física têm bastante demanda. E depois o agronegócio, uma área que vem crescendo bem em termos de qualificação. Engenheiros, técnicos, pessoas dispostas a trabalhar na agricultura, a deixar os grandes centros e ir para o campo, também são facilmente colocadas.

Isso altera o mapa do emprego nas diferentes regiões?

De forma geral, Norte e Nordeste vêm sofrendo mais. O Rio de Janeiro é uma exceção negativa, vem se destacando com a taxa de desemprego mais alta do Sudeste – nos outros estados da região, o impacto do desemprego não está tão forte. No caso do Rio a explicação é clara. O estado passa por um momento econômico difícil, com a soma de vários fatores como a redução dos investimentos da Petrobras e o atraso no pagamento dos funcionários públicos. O Sul e o Centro-Oeste têm sido puxados positivamente pela agricultura, um setor que ficou bastante isolado da crise.

Quais os efeitos da reforma trabalhista que foi aprovada no final de 2017?

A gente ainda não vê grandes impactos. Às vagas intermitentes são, afinal, o que a gente consegue monitorar, mas elas ainda são um percentual muito pequeno do total de vagas, embora algumas empresas comecem a experimentar. O volume de processos trabalhistas também está tendo uma redução, mas é cedo para dar isso como conclusivo. Quando a gente olha para a disposição dos empresários de contratar mais, a gente não vê a reforma trabalhista como um fator muito forte. Ela estimulou contratações, mas não acho que ela foi um grande elemento O que a gente nota é que o risco jurídico diminuiu e isso gera um pouco mais de apetite para contratar, com a possibilidade de trabalho intermitente.

Como as eleições afetam o mercado de trabalho?

A incerteza, a dúvida, sempre diminui a disposição para o investimento. Os empresários, os executivos que estão considerando contratar ou não, se abrirão uma nova unidade ou não, tendem a adiar novos projetos. Vão esperar as eleições para ver se alguma coisa muda. A tendência natural é de adiamento das contratações até que o cenário político fique mais claro.

Há uma lacuna na formação básica dos estudantes brasileiros, com dificuldades em matemática e outras áreas. Isso impacta diretamente no mercado de trabalho?

Afeta muito fortemente. Cada vez mais todos os empregos estão se transformando em empregos de informação. Num passado mais distante um trabalhador agrícola usava a força do braço para mover a enxada. Cada vez mais em todas as profissões a tendência é que se queira o cérebro das pessoas, a gente quer que elas pensem, que tomem decisões, que façam mudanças e pessoas semi-analfabetas, com baixa capacidade de compreensão, baixa capacidade analítica, tem muita dificuldade em fazer isso. A gente já ouve isso como o principal problema das empresas no recrutamento, achar mão de obra qualificada. Tem muita gente buscando empregos mas para muitas vagas as empresas não encontram ninguém dentro do perfil que elas estão buscando e com muita freqüência essa falta de qualificação não é por causa de uma tecnologia recente, alguma novidade, mas é uma capacidade mais básica, tanto emocional, como a capacidade analítica e de comunicação.

O mundo do trabalho está passando por transformações associadas à 4ª Revolução Industrial. O Brasil está muito atrasado nesse processo?

De forma geral, sim. A população brasileira é dominante em serviços. Um volume pequeno de pessoas está aumentando sua produtividade por meio de novas tecnologias. A formação de mão de obra não acompanha os empregos que estão apresentando maior potencial de crescimento.

Como as mídias sociais aparecem hoje no recrutamento? Elas são importante nas seleções?

O principal uso que os recrutadores fazem é para tentar prever o comportamento do candidato. Se alguém representa a minha marca, eu não quero que seja preconceituoso, racista ou que tenha alguma atitude que vá contra o que a marca prega. Então em geral a mídia social não é para encontrar candidatos, mas para checar seus comportamentos, ideias e opiniões. Funcionam como um filtro.

No futuro, o RH será mais tecnológico e menos humano?

Menos humano é uma frase forte. Mais tecnológico eu tenho certeza. A gente tem visto o RH usar cada vez mais tecnologia. Quando olhamos para a nossa plataforma, a gente hoje já usa a inteligência artificial para ordenar, entre centenas de candidatos que disputam uma vaga que seja atrativa, e mostrar os melhores candidatos no alto dessa lista. No passado o recrutamento olhava para todos os currículos, hoje ele olha para poucos currículos e depois a gente usa a capacidade humana para falar com essa pessoa, avaliar a relação dessa pessoa com a cultura da empresa e fazer testes técnicos.

O mercado brasileiro de trabalho tem se tornado mais inclusivo para pessoas com deficiências e minorias?

Sim. Entendo que o mercado está lentamente ficando mais inclusivo. Quando a gente olha para pessoas com deficiência, o volume de empresas preocupadas com essa questão está subindo, em parte por causa da legislação, da lei de cotas que está sendo observada pela governo – o governo detem uma capacidade de fiscalização mais alta. As empresas estão mais atentas a isso e contratando mais pessoas com deficiência. Uma pesquisa recente feita por nós mostra um crescimento de 26% no volume de contratações de pessoas com deficiência.

Como o Brasil está na questão de gênero?

Quando olhamos para o salário de homens e mulheres e para a presença de mulheres em cargos de liderança, a diferença ainda é muito forte. Dependendo do nível de escolaridade, varia entre 20% e 40%, sempre com vantagens para o homem. Em cargos de tecnologia a contratação de mulheres é especialmente baixo. Essa diferença salarial está diminuindo, mas ela ainda é muito grande. Claramente a inserção da mulher no mercado de trabalho, especialmente no retorno da maternidade, é um assunto com potencial positivo para a sociedade, mas que ainda não tem recebido muita atenção. A lei de cotas fez 27 anos semana passada.

E quanto às diferenças salariais entre negros e brancos?

Não temos pesquisas, mas as diferenças salariais existem.