Em agosto de 1964, aos 21 anos recém-completados, Wanda Sá era uma jovem dourada de praia, de voz doce e violão bossa-novista na mão, a entrar no estúdio da RGE para gravar Wanda Vagamente. Para sua estreia em LP, ganhara canções até então inéditas e que iriam se tornar eternas, como Inútil paisagem (Tom Jobim e Aloysio de Oliveira), Sem mais adeus (do estreante Francis Hime e Vinicius de Moraes) e Só me fez bem (de Vinicius com o também novato Edu Lobo, futuro marido da cantora e pai de seus três filhos).

Afora um coquetel organizado pela gravadora, não se celebrou o lançamento do disco, que viria a ser reverenciado nas décadas seguintes por adoradores da bossa nova mundo afora – ainda hoje, mesmo com o relançamento em CD em 2002 (pelo selo Dubas, de Ronaldo Bastos), um original sai por R$ 400 online. No Japão e em outros países em que a bossa grassa, o CD saiu antes.

Na capa do vinil, Wanda de vestidinho, pé na areia, violão e cabelos loiros soltos, ela é a encarnação da já à época famosa garota de Ipanema (a foto, no entanto, foi na então isolada praia da Barra da Tijuca). Na contracapa, vinham as palavras de Ronaldo Bôscoli, autor da faixa-título, com seu parceiro Roberto Menescal, produtor: “A voz de Wanda diz mais que uma canção. Wanda vem vagamente. Mas fica na gente”.

A cantora viajou para os Estados Unidos três meses depois de o LP sair, para acompanhar Sérgio Mendes no grupo Brasil ’65. Depois, se casou com Edu, tornou-se mãe de Mariana, Bernardo e Isabel, parou a carreira, posteriormente retomada, gravou mais discos.

Hoje à noite, na Sala Municipal Baden Powell, em Copacabana, agora Casa da Bossa – resultado de residência artística encabeçada por João Donato -, Vagamente vai finalmente chegar ao palco, como parte da série Discos Históricos da MPB, iniciada por Donato em agosto, com o repertório de Quem é quem (1973).

“Fiz uma apresentação no programa O fino da bossa em 1964, conheci o Sérgio Mendes e ele me contratou para ir para os EUA. O disco saiu, ninguém me conhecia e continuou não me conhecendo”, brinca Wanda. “Mas ele andou sozinho, virou cult, foi incrível.”

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No LP, ela lembra, lançou Francis Hime (seu namorado então). O disco trouxe uma dela com Nelson Motta, Encontro; Adriana, homenagem de Menescal à sua filha; E vem o sol, dos então jovenzinhos Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle; Também, quem mandou, de Carlos Lyra e Vinicius; a regravação Vivo sonhando, de Tom e Vinicius; Tristeza de amar, de Geraldo Vandré e Luiz Roberto. No show, ela reinterpretará todas as faixas.

O encontro com Tom, no lendário endereço da Rua Nascimento Silva, em Ipanema, foi singular. Ao piano, o compositor ofereceu duas preciosidades inéditas para o LP: Inútil paisagem e Só tinha de ser com você (outra com Aloysio de Oliveira). Ele tinha acabado de conhecer a cantora.

“Menescal preferiu Inútil paisagem; eu, Só tinha de ser com você. Era lindo, Tom ficava emocionado nessas horas. Veja como era generoso, eu começando e ele me oferecendo as duas. Eu estava no lugar certo na hora certa. Sou muito sortuda. Depois, ficamos muito amigos”, conta a cantora, nascida em São Paulo e criada no Rio.

Quem a levou pela mão até o compositor foi Menescal, com quem ela tinha estudado violão. Wanda começara a tocar aos onze anos e se encontrou definitivamente na música com o advento da bossa, a partir da seminal gravação de Chega de saudade (1958) por João Gilberto. “Não conhecia ninguém. Menescal me levou à casa do Carlinhos, do Tom. O violão rodava, rodava, todo mundo tocava”, rememora.

Na hora de chamar os instrumentistas ao estúdio, reuniu-se o que havia de melhor, Eumir Deodato, Luiz Carlos Vinhas, Tenório Jr., Ugo Marotta (que estará no show desta noite, assim como Menescal e Bebel Lobo), Edison Machado, Dom Um Romão, João Palma, Sergio Barroso, Manuel Gusmão, Celso Brando, Pedro Paulo, Otavio Bailly e Henri Ackselrud.

“Nas listas dos discos essenciais da discografia da bossa nova, privilegiam-se aqueles revolucionários, como Chega de saudade e os outros do João Gilbert. São os que se tornaram standards, com músicas que depois todo mundo gravou. Vagamente é um LP muito bonito, com músicos de grande importância”, lembra o produtor do show, Arnaldo DeSouteiro, idealizador da série da Casa da Bossa. “É o único da bossa nova com três dos melhores bateristas do mundo, Dom Um Romão, Edison Machado e João Palma. Também por isso é cultuado.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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