Suspensão, reestruturação ou renegociação dos mecanismos de empréstimo? Na conferência de Sevilha sobre o financiamento do desenvolvimento, o aumento vertiginoso da dívida dos países do sul global preocupa a comunidade internacional, que busca soluções para este bomba-relógio.
“O peso da dívida está paralizando o mundo em desenvolvimento”, sentenciou o secretário-geral da ONU, António Guterres, que fez um apelo para “consertar o sistema global de dívida, que é insustentável e injusto”, em seu discurso no primeiro dia desta cúpula na cidade andaluza.
Segundo a ONU, a dívida externa dos países menos avançados triplicou nos últimos 15 anos. O pagamento da dívida e dos juros em todos os países em desenvolvimento, por sua vez, agora alcança os 1,4 trilhão de dólares (7,6 trilhões de reais) ao ano, seu nível mais alto em 20 anos.
Segundo os especialistas, as causas são a multiplicação de grandes obras caras, especialmente em alguns países africanos que receberam bilhões de dólares em empréstimos da China, e a sucessão de crises internacionais, desde a pandemia de covid-19 até os conflitos armados, que abalaram a economia de muitos Estados.
Para os países do sul, submetidos a taxas de jutos duas vezes superiores às do norte, esta situação faz com que paire o risco de um sufocamento financeiro. Alguns Estados “estão presos em um círculo vicioso”, alertou a ONG Action Aid, que considera que a situação é “crítica”.
Este endividamento não deixa de ter consequências para os habitantes. “Não se trata somente de um problema macroeconômico: há repercussões imediatas, especialmente nas políticas sanitárias”, relembra Françoise Vanni, do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária à AFP.
Segundo as Nações Unidas, 54 países em desenvolvimento dedicam atualmente mais de 10% de suas receitas ao pagamento de dívidas externas. E cerca de 3,3 bilhões de habitantes vivem em países onde o pagamento dos juros das dívidas supera o gasto em educação ou saúde.
Esta situação levou vários dirigentes, entre eles o presidente do Quênia, William Ruto, e seu homólogo senegalês, Bassirou Diomaye Faye, a falar na conferência de Sevilha para pedir uma reforma profunda da arquitetura financeira internacional.
É necessário abordar o quanto antes essa crise da dívida para dar aos países em desenvolvimento mais margem para seus “investimentos essenciais”, concordaram cerca de 30 especialistas em um relatório encomendado pelo Vaticano e apresentado durante a reunião.
Este documento de 30 páginas, dirigido pelo Prêmio Nobel de Economia americano Joseph Stiglitz, propõe várias vias para isso, entre elas o fim do “tratamento preferencial” concedido aos credores privados em detrimentos dos públicos e a ampliação do perdão de dívida concedido durante a pandemia.
O texto aprovado pelas delegações presentes em Sevillha pede, por sua vez, que se generalize a inclusão de cláusulas condicionais na concessão de empréstimos, a fim de permitir aos países suspender temporariamente seus reembolsos em caso de crise ou catástrofes naturais de origem climática.
Além disso, o texto incentiva os credores a aumentar os empréstimos em moedas locais para reduzir os riscos relacionados ao câmbio e exige a criação de um “registro central”, supervisionado pelo Banco Mundial, para harmonizar e melhorar a informação sobre a dívida.
Segundo o Banco Mundial, apenas 25% dos países pobres divulgam informações sobre seus novos empréstimos, o que priva os doadores de informações cruciais. É necessário melhorar “a transparência” para reforçar “a confiança”, insiste o Compromisso de Sevilha.
Poderiam essas medidas, reivindicadas há muito tempo pelos especialistas, ser complementadas com o perdão puro e simples da dívida de alguns países? No domingo, várias ONGs fizeram essa reivindicação durante uma manifestação em Sevilla.
Mas os países doadores, também endividados, se mostram relutantes a esse tipo de iniciativas, muito pouco prováveis. Uma situação denunciada pela Action Aid, que criticou em um comunicado a “lamentável falta de compromisso tangível” dos países do norte “para realmente acabar com esta crise da dívida”.
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