Maria Eliza Arruk já conta mais de três anos de dedicação ao projeto de recuperação do parque da Escola Municipal Desembargador Amorim Lima, na Zona Oeste de São Paulo, onde estuda José, seu filho de 9 anos. O espaço, usado para várias atividades das crianças, sofre com a erosão do solo. Junto a ela, um grupo de pais engajados na gestão da escola espera a liberação de uma emenda prevista no orçamento da capital para fazer a tão desejada reforma. Mas ainda não há sinal de que os R$ 100 mil serão liberados.

A mesma situação afeta diversos projetos que seriam custeados por emendas de vereadores que não foram reeleitos. Na contramão, parlamentares recém-eleitos, que não tinham projetos na lei orçamentária, já apontaram como a Prefeitura deve aplicar cerca de R$ 24 milhões.

Depois de dois anos preparando o projeto de recuperação do parque Cora Coralina, foi em um edital que prometia recursos a ações comunitárias por emendas parlamentares, no início de 2020, que os pais do conselho da escola vislumbraram a possibilidade de custear a reforma. Eles participaram do edital, batizado Chamada Cívica, e conquistaram o direito de indicar o destino de uma emenda do então vereador José Police Neto (PSD).

O parque foi um dos projetos escolhidos entre dezenas de concorrentes. “A proposta não poderia ter vindo em melhor hora e de melhor forma”, diz Maria Eliza.

A animação inicial, no entanto, converteu-se, depois de mais de um ano, na incerteza sobre a liberação da verba. Com a alocação de recursos no combate à covid-19, o ex-vereador retirou as emendas do edital e reapresentou-as ao Orçamento de 2021. As emendas da Chamada foram acatadas e constam da Lei Orçamentária Anual.

Não adiantou

Mesmo adiando planos para o espaço, que tem problemas como o acumulo de lama, escorrendo para o prédio da escola em dias de chuva, os pais seguem sem saber se o recurso será liberado.

Police não foi reeleito, e não há previsão para a reforma. É da Prefeitura a decisão sobre quais emendas serão executadas. Entre as liberadas pela Casa Civil até 16 de agosto, não há nenhuma de ex-vereadores que participaram da aprovação do Orçamento de 2021.

Segundo o órgão, pelo fato de o Orçamento municipal não ser impositivo, a execução fica a critério apenas da Prefeitura. “Para esta análise, após a aprovação e sanção do Orçamento, o Executivo leva em consideração o que será executado e como vai impactar a cidade, além de conferir se vai interferir nas prioridades já planejadas. Realizada a conferência, a emenda é liberada”, afirmou a Casa Civil por meio de nota.

A liberação de recurso para emendas de vereadores que não ocupam mais cadeira na Câmara não é praxe. Entre as indicadas a projetos no Orçamento de 2021 estão emendas dos ex-vereadores Masataka Ota (PSB), Reis (PT) e Toninho Paiva (PL), que, junto às de Police totalizam R$ 13 milhões.

O ex-vereador diz que mantém diálogo com a Secretaria Executiva da Prefeitura e a Casa Civil desde julho pela liberação do recurso. “Se a comunidade se organizou e venceu um edital, é compromisso do poder público com aquela organização e não com o vereador”, disse.

Assistência

Assim como a reforma do parque, outro projeto que ofereceria assistência psicológica a famílias no Capão Redondo ficou no limbo. A Associação Nacional de Prevenção ao Uso e Abuso de Drogas contava com R$ 500 mil de uma emenda indicada pelo ex-vereador Masataka Ota, que não foi reeleito e faleceu em fevereiro deste ano.

O diretor, Wagner Souza, tentou destravar o recurso na Câmara, em março, sem sucesso. A ação atenderia pais de crianças matriculadas no Centro de Educação Infantil Eliana e sua Turminha, gerido pela associação, no retorno das atividades. “Era um projeto de recomeço após a covid-19.”

O ex-vereador Reis afirma que sem mandato, no ano da execução, a barganha pela liberação é difícil. “Emendas são usadas para fazer também escambo e acabam sendo liberadas a conta-gotas a cada votação”, disse. “Quem vota projetos do governo é quem está lá.” Por isso, evitou prever recursos às comunidades que poderiam se beneficiar de suas indicações.

Apesar de saber que a execução não é comum, a ex-vereadora Soninha Francine (Cidadania), que foi vice-presidente da Comissão de Finanças e Orçamento no ano passado, diz que não há previsão legal que impeça a liberação de emendas de ex-vereadores. “O Orçamento é lei. Se quem fez a emenda era vereador, participou da elaboração e votou, virou lei e pronto, está lá o recurso”, disse. Cada vereador podia indicar como gastar R$ 4 milhões. Ela preferiu remeter o valor todo à Casa Civil.

A liberação paulatina reforça o uso do orçamento público como ferramenta de apoio político, segundo o pesquisador da FGV-SP Marco Antônio Teixeira. “A liberação, sobretudo em momentos em que há uma questão importante da Prefeitura para ser apreciada na Câmara, vira moeda de troca”, explicou. “Quem tem mandato é quem tem poder. A pessoa que perdeu o mandato perdeu a capacidade de ser útil ao governo.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.