Talvez sobreviveremos. Ao ódio, aos preconceitos, às mazelas e atos insensíveis de um mandatário que despreza vidas, que debocha do sofrimento dos pobres, negros, mulheres, LGBTQIA+, dos indígenas, de quase todos.

Talvez sobreviveremos à tentação autoritária que está no ar por obra e graça de alguém disposto ao mais abominável comportamento ditatorial tentando se garantir no poder. Ele quer o controle absoluto — do Congresso, do Planalto, do Judiciário, da Polícia, do que tiver pela frente. E vai atrás.

Talvez sobreviveremos aos esquemões do Orçamento Secreto, que corrói o dinheiro público, com a finalidade aberta de comprar base de apoio para o capitão. Talvez sobreviveremos ao desmonte e aos bilionários desvios do MEC, que deixou universidades e escolas públicas à míngua, quase falidas (algumas fechando) sem sequer material didático para lecionar.

Talvez sobreviveremos à destruição de estruturas vitais como a do Inpe, que controlava e denunciava os avanços ilegais sobre as nossas florestas, a do Coaf, que nos dava o controle financeiro de movimentações dos ladravazes do Estado, a da Codevasf, que virou balcão de liberação de propina a laranjas, e a tantas outras destruições de autarquias que serviam a bons propósitos públicos.

Talvez sobreviveremos às prevaricações do capitão, que fez ouvidos moucos a denúncias de superfaturamento de vacina no seu governo e deixou passar por opção também essa pilantragem. Talvez sobreviveremos às pilhérias de um presidente que imita pessoas com falta de ar à beira da morte, que tripudia sobre uma pandemia que matou 700 mil brasileiros, que dá de ombros e, irritado, responde com um insolente “e daí?” quando lembram-no que era seu papel buscar caminhos e soluções para abrandar a escalada de perdas.

Talvez sobreviveremos a um chefe de governo beirando a psicopatia, que deixou de consolar familiares destroçados pela falta dos entes queridos; que não teve um gesto de comiseração e palavras de apoio nesse momento de sofrimento insuportável, que não se solidarizou, nem visitou doentes, como cabe a um mandatário minimamente ciente da função que exerce.

Talvez sobreviveremos às motociatas fascistas, aos shows de jet ski e de barcos que, rotineiramente, esbofeteavam a cara dos brasileiros com a desigualdade latente por aqui e que mostravam, com clareza, de qual lado o “mito” Messias fazia questão de estar, sem se preocupar com as queixas e usando a alegação irônica de que qualquer um poderia ter a sua motoca de água depois que ele baixou os impostos — brinquedinho, por sinal, que custa, em média, R$ 60 mil. Talvez sobreviveremos às mentiras, aos ataques sorrateiros e sistemáticos a opositores, às perseguições contra demais autoridades do sistema. Talvez sobreviveremos ao descaso com a Cultura, a Ciência e Tecnologia, alvos preferidos das tungadas do capitão que escolhe desviar os recursos e esforços para a trapaça secreta das emendas do relator, em busca da compra de parlamentares — na consagração de um Bolsolão, que sangrou os cofres brasileiros em bilhões, como nunca antes na história.

Talvez sobreviveremos aos ataques à nossa democracia, que corre risco, sim, e pode ser arrancada de nós em um piscar de olhos por meio de decretos, PECs e arranjos de alguém que sentou no Palácio com o intuito declarado de reinar sem freios — admitindo em tempos pretéritos, sem meias palavras, tal ambição: “quando eu for ditador”. Ele está perto de conseguir e, por incrível que pareça, com o voto nas urnas, aquelas alvejadas por seus questionamentos de sempre e que, eventualmente, em um futuro tenebroso, poderão não voltar a ser usadas, porque ele tende a proibi-las.

Talvez sobreviveremos aos arroubos imorais de quem encara jovens venezuelanas como garotas de programa, que, no seu entender, se arrumam para “ganhar a vida” e com quem diz ter “pintado um clima” em encontro recente — um senhor de mais de 60 denotando comentários com traços pedófilos para crianças de 14 anos. Talvez sobreviveremos aos golden shower da vida.

Talvez sobreviveremos à condição de pária do mundo, à qual foi relegado o Brasil, visto como país comandado por um insano.

Talvez sobreviveremos a um chefe que pretende armar todo mundo e age com esse objetivo numa liberalização sem precedentes; que cultiva amizades com milicianos e até os homenageia, incitando a violência e que fecha os olhos e até passa pano em episódios brutais como o do assassinato de pessoas inocentes em festas de aniversário, por mera rixa política ou em camburões da polícia, transformados em câmara de gás.

Talvez sobreviveremos aos cem anos de sigilo sobre investigações contra atitudes inescrupulosas e outras inexplicáveis desse presidente, que escamoteia deliberadamente seus malfeitos. Talvez sobreviveremos à gastança sigilosa e milionária dos cartões corporativos, dele e dos chegados. Uma coisa está no ar e é preciso ser dita para vingar no consciente coletivo: TALVEZ NÃO SOBREVIVEREMOS SE TIVERMOS MAIS QUATRO ANOS COM UM PERSONAGEM ASSIM NO PODER.