A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de criminalizar a homofobia acendeu o sinal amarelo em congregações religiosas, que se opõem ao casamento entre homossexuais. Mas especialistas garantem: não há risco de pastores e padres serem punidos por se posicionarem, dentro da esfera religiosa, contra o relacionamento e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse fato é reforçado porque o STF teve o cuidado de explicitar que religiosos têm liberdade de professar suas convicções, desde que não promovam o discurso de ódio.

A norma veio depois de três meses de debate e seis sessões do STF, que afinal regulou o tema no último dia 13. A iniciativa, cercada de controvérsia, ocorre para preencher um vácuo na legislação. Na falta de uma legislação sobre o tema, e seguindo sugestão do decano, Celso de Mello, a corte enquadrou a homofobia e a transfobia na lei antirracismo, que define essa discriminação como crime inafiançável e imprescritível, passível de punição de um a cinco anos de prisão e multa. A disposição também foi criticada pelo presidente Jair Bolsonaro. Ele disse que ela foi “completamente equivocada”. Segundo ele, o STF está ”aprofundando a luta de classes”.

APOIO O jurista Ives Gandra Martins: “As instituições civis e religiosas são separadas, o casamento civil nunca se confunde com o religioso” (Crédito:VIVI ZANATTA)

“As instituições civis e religiosas são separadas, o casamento civil nunca se confunde com o religioso”, diz o jurista Ives Gandra. Quem assegura a liberdade das instituições religiosas é o artigo 5º da Constituição, que em seu inciso VI define como “inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Há religiosos que se sentem confortáveis com a decisão. O padre Danilo Bartholo se diz absolutamente tranquilo quanto ao assunto, pois, além de estar protegido pela Constituição, conta com amparo legal do Código de Direito Canônico da Igreja Católica, definido pela Santa Sé. O Vaticano realiza tratados com os países para assegurar que em cada nação serão respeitadas as suas normas específicas. O Brasil assinou acordos com o Vaticano que dão essa segurança jurídica à Igreja. Bartholo afirma que as pessoas confundem, no entanto, o direito civil com o direito religioso. “Quando a Justiça permitiu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, fui muito procurado para celebrá-los na Igreja”, diz. “Eu pessoalmente nunca tive problema ao negá-los, mas a Igreja Católica como um todo é acusada de homofóbica”, afirma. “A doutrina condena o homossexualismo, mas não o homossexual.”

Motivação política

O reverendo Gérson Leite Moraes, pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, também não vê ameaça à liberdade religiosa. Para ele, esse risco é uma invenção de congregações cristãs que se aproveitam do medo da população para assumir discursos radicais. Suas motivações seriam políticas. “Tem pastores fazendo terrorismo, e essa onda conservadora que invadiu o Brasil é consequência disso”, diz.

O STF também despertou críticas por estar legislando, uma atribuição exclusiva do Parlamento. “O Congresso é eleito democraticamente e representa 140 milhões de eleitores. Os ministros do STF não foram eleitos para isso e quando eles legislam há uma violação da Constituição”, diz o jurista Gandra Martins. Mas a decisão, defendida por grupos de defesa dos direitos humanos, ocorre porque inexiste um arcabouço legal que proteja a população LGBT do crime específico da homofobia. Os números são alarmantes: dados do Disque 100 mostram que de 2011 a 2018 foram registradas 26.938 violações aos direitos da população LGBT. A violência física é uma das acusações mais frequentes, com 667 registros no ano passado.

Uma saída pode estar em um Projeto de Lei que já tramita no Congresso. O PL 672/2019, que trata da criminalização da homofobia, foi aprovado em maio pelo Senado e segue para a Câmara dos Deputados. Para o bancário Rodrigo Tadeu Nulle, casado com Douglas há cerca de três anos, a decisão é correta. Ele é católico e formalizou apenas a união civil, numa festa não religiosa. “Um deve respeitar o outro. Precisamos de uma lei, mas isso não significa que eu posso fazer o que quiser dentro de uma igreja”, diz. Da mesma forma que é válida a preocupação com as garantias da comunidade LGBT, seu exemplo parece indicar que afinal é possível a preservação dos direitos de todos.

“Eu pessoalmente nunca tive problema ao negar casamentos entre pessoas do mesmo sexo” Danilo Bartholo, padre