Existe a notícia e o que há por trás dela. A notícia: um encontro entre grandes músicos brasileiros, instrumentistas que muitas vezes nunca tocaram entre si e que farão isso em um teatro no centro de São Paulo, o Sérgio Cardoso, por três dias seguidos, de hoje a domingo. E o que há por trás: um menino chamado Angelo Henry, morto em 2014, que teve como último pedido realizado soltar uma pipa na cobertura do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas de São Paulo, onde estava internado para se tratar de uma doença crônica renal.

As histórias de Angelo e dos 13 músicos que estarão no Sérgio Cardoso nunca se cruzaram. Nunca enquanto ele estava vivo e antes que a música começasse a fazer aquele trabalho do qual só ela e a literatura são capazes: unir intimamente pessoas que nunca se viram. O prazer de Ângelo nas pipas, ao contrário dos outros meninos, era colocá-las bem lá em cima para que os outros pudessem cortá-las no ar com seus barriletes coloridos de linhas afiadas no cerol. Ele segurava a pipa com uma mão apenas, a outra estava presa a uma tala médica, e sorria sempre que perdia uma delas, levada pela vontade dos ventos. Era a liberdade da pipa que o atraía.

A liberdade da música de Yamandu Costa sempre atraiu a médica que cuidava de Angelo, doutora Magda Carneiro. E o espaço em que Angelo brincou pela última vez tinha memórias e inspiração demais para ficar parado. Magda pensou então em Yamandu fazendo um show ali e em usar aquela área vazia como um lugar de humanização, com brincadeiras para outras crianças internadas e acolhimento de seus cuidadores. A médica falou então com a amiga que lhe havia apresentado o músico, Alcina Meirelles, psicóloga e produtora cultural, e Alcina pensou mais: enquanto a área batizada de Menino Angelo não fosse construída, eles fariam um show levantando um dos melhores cenários de talentos musicais para homenagear o garoto. O que houvesse de renda seria entregue para o hospital em forma de móveis para serem usados no local.

Alcina foi erguendo seu castelo a partir daquele que estava mais próximo. O violonista Yamandu Costa abraçou a ideia, e um time começou a chegar também. Elodie Bouny, violonista de seis cordas e mulher de Yamandu; o saxofonista Nivaldo Ornelas; o acordeonista gaúcho Renato Borghetti; o percussionista Armando Marçal; o pianista e também acordeonista Marcos Nimrichter; o bandolinista Danilo Brito; o violonista Daniel Sá; Ernesto Fagundes (especialista em bombo leguero); o baixista Guto Wirtti; o violista Marcelo Jaffé; os violinistas Betina Stegmann e Nelson Rios; e o violoncelista Rafael Cesário, além da cantora Verônica Ferriani como participação especial.

Muitos desses músicos nunca haviam tocado entre si, o que deu ao encontro um caráter de ineditismo, e o fato de serem de idades diferentes inspirou o nome das noites: Encontro de Gerações. O repertório começou a ganhar corpo e entraram leituras para clássicos de Villa-Lobos, Radamés Gnatalli, Jacob do Bandolim, do próprio Yamandu Costa e dos artistas Renato Borghetti e Nivaldo Ornelas. “A energia começou a rolar nos ensaios e o show está lindo”, diz Alcina, com a empolgação de quem está vendo tudo acontecer de perto. O cenário do show vai contar com pipas em momentos que devem ser de muita comoção.

Os ingressos que iam reverter totalmente para o espaço primeiro foram colocados à venda a preços altos, para quem estivesse mesmo disposto a ajudar a causa.

Alguns dias depois, com a vendagem fraca, provavelmente prejudicada também pelo fato de competir com os vários shows gratuitos da Virada Cultural, a organização mudou de ideia. Resolveu abrir as portas para a população em shows gratuitos e propor aos espectadores que gostassem que ficassem à vontade para contribuir com o quanto ou o que pudessem para ajudar a mobiliar o espaço de convivência do hospital.

Erguido com recursos conseguidos graças à Lei de Incentivo à Cultura, antiga Lei Rouanet, os espetáculos devem ser também gravados e transformados em CD, que será distribuído gratuitamente para equipamentos culturais públicos e projetos sociais em São Paulo, Rio de Janeiro e também cidades de Pernambuco e para jovens da universidade Federal do Pará. A primeira noite deverá ser a mais emocionante para os familiares de Angelo Henry. Eles serão apanhados em casa pela produção dos shows. O que os espera, garante Alcina, é aquele algo eterno que só acontece por três dias.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.