O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pediu nesta terça-feira (30), em Brasília, a superação das divisões “ideológicas” e a recomposição do diálogo entre os países da América do Sul, na primeira reunião de presidentes do continente em quase uma década.

Desde que voltou ao poder em janeiro, Lula tem tentado recuperar o protagonismo do Brasil no cenário internacional e agora pretende relançar a cooperação na América do Sul através de uma nova versão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), da qual restam apenas sete dos 12 membros fundadores.

“Na região, deixamos que as ideologias nos dividissem e interrompessem esforços de integração. Abandonamos canais de diálogo e mecanismos de cooperação, e com isso todos perdemos”, disse Lula em seu discurso de abertura antes de um encontro a portas fechadas com os demais líderes do Palácio do Itamaraty.

“Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica”, acrescentou.

O governo de extrema direita Jair Bolsonaro (2019-2022) “rompeu com os princípios que regem a nossa politica externa e fechou nossas portas a parceiros históricos”, prejudicando as relações com os vizinhos, acrescentou Lula.

Onze presidentes participam do encontro, na sede do Ministério das Relações Exteriores (MRE), definido por Lula como um “retiro” para dialogar de forma relaxada e franca. O Peru será representado por seu chefe de gabinete, Alberto Otárola.

Entre os presentes, estão o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro; o argentino Alberto Fernández; o chileno Gabriel Boric; o colombiano Gustavo Petro; o paraguaio Abdo Benítez; o boliviano Luis Arce; e o uruguaio Luis Lacalle Pou.

“A América Latina tem que desempenhar um papel unido, ter uma voz unificada”, disse Petro à imprensa, ao chegar ao Itamaraty.

Os líderes terão duas sessões: a primeira, com pronunciamentos individuais; e, depois, um debate informal, seguido de um jantar no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.

Sem agenda pré-estabelecida, espera-se que os governantes dialoguem sobre um novo mecanismo regional de integração e também sobre cooperação em assuntos como energia e combate ao crime transnacional. Ainda não foi anunciado se haverá uma declaração final conjunta.

“Embora seja pouco provável que surjam visões inovadoras sobre o futuro da América do Sul, ou anúncios para promover a integração regional, até mesmo um diálogo básico entre os chefes de Estado é um progresso genuíno”, escreveu Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no periódico Americas Quarterly.

“O retorno de Maduro” 

Maduro foi o primeiro a chegar ao Brasil e foi recebido por Lula, com honras, na segunda-feira (29). Juntos anunciaram o início de uma “nova época” na relação bilateral.

O presidente venezuelano visita o país pela primeira vez em oito anos, após ter sido barrado pelo então presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), em meio à política de isolamento internacional liderada por Washington, devido ao questionamento da legitimidade da reeleição de Maduro em 2018.

A aplicação de sanções a Caracas e as denúncias contínuas de violações dos direitos humanos também corroem as relações da Venezuela com seus vizinhos.

“É o começo da volta do Maduro” ao plano regional, e o encontro com os outros líderes será “a volta da integração da América do Sul”, disse Lula, que definiu o momento como “histórico”.

Maduro disse que levará para a reunião seu pedido de que se “solicite ao governo dos Estados Unidos a suspensão de todas as sanções contra a Venezuela”.

Integração “diferente”

Um encontro entre os líderes sul-americanos não ocorria desde a cúpula da Unasul, celebrada em 2014, em Quito.

Criada em 2008 por Lula (2003-2010) e pelo então presidente venezuelano, Hugo Chávez, para contrabalançar a influência americana na região, a União das Nações Sul-Americanas foi criticada por alguns, durante anos, por ter um viés esquerdista.

E, após as vitórias conservadoras nas eleições regionais, instabilidades políticas internas e divergências entre países pela crise venezuelana, o bloco ficou praticamente paralisado, sem orçamento, nem sede.

Permanecem na Unasul Bolívia, Guiana, Suriname, Venezuela e Peru – que nunca deixaram o bloco -, além de Brasil e Argentina, que voltaram este ano.

Um novo mecanismo de integração “pode funcionar (de forma) diferente”, disse Lula.