Donald Trump é esperto. Tão esperto que ele mesmo gosta de utilizar esse adjetivo para se gabar. Durante um dos debates da campanha eleitoral à Casa Branca, no ano passado, ele respondeu à pergunta de Hillary Clinton sobre por que passou tantos anos sem declarar seus impostos dizendo sorridente: “Isso faz de mim esperto”. O adjetivo pode ser considerado elogioso quando se refere à sagacidade e a inteligência que não prejudicam ninguém. Quando visa ao beneficio próprio, a esperteza vira malandragem — e isso nunca pode ser positivo.

Na terça-feira 14 um documento divulgado pela rede de TV americana MSNBC (e também pela Casa Branca) com duas páginas da declaração de imposto de renda de Trump de 2005 mostrou ao mundo como o presidente americano pode estar tentando utilizar seu mandato para legislar em seu favor. A declaração mostra que 82% dos valores pagos naquele ano por ele correspondem a um imposto que Trump pretende extinguir numa reforma tributária: a Taxa Mínima Alternativa (Alternative Minimum Tax, ou AMT, na sigla em inglês). Trump declarou ter faturado US$ 153 milhões em receitas e US$ 103 milhões em “perdas” (provavelmente relativas à depreciação de bens na comparação com declarações anteriores). Com isso, deveria pagar apenas US$ 5,3 milhões em impostos. Como a AMT estipula o mínimo de 25% sobre a receita apurada, ele desembolsou US$ 38 milhões. Um valor considerável.

A Taxa Mínima Alternativa foi criada com o objetivo de reduzir o déficit nos EUA e também como forma de estabelecer uma espécie de justiça fiscal para garantir que os mais ricos não se beneficiem de isenções em excesso. Ocorre que, ao extinguir esse regime fiscal, Trump seria diretamente beneficiado. “Donald Trump é um dos que irá lucrar com o fim da taxa”, diz o coordenador do Instituto de Economia e Estudos Internacionais da Unesp, Luis Fernando Ayerbe. “É uma questão delicada quando um empresário se torna presidente e seus negócios continuam funcionando, isso gera um problema ético muito complicado”.

“O modelo de governo de Trump é negocial, ele pensa o tempo todo em termos de custo-benefício e está tentando governar uma nação como se estivesse dirigindo uma empresa privada” José Augusto Guilhon Albuquerque, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

A revelação do imposto de renda de 2005 de Trump deixou clara a intenção do presidente de eliminar o único imposto que realmente atrapalhou suas finanças. O lado bom da notícia é que Trump poderá ser pressionado a tornar pública as outras declarações, a exemplo de todos os candidatos e presidentes dos EUA que tradicionalmente deixaram os documentos à disposição. Durante toda a campanha, Trump foi categórico ao dizer que não abriria suas informações fiscais sob a desculpa de que tal procedimento poderia atrapalhar a auditoria a que estava sendo submetido. Como a própria Casa Branca se antecipou ao furo de reportagem da MSNBC na terça-feira noticiando os valores dos impostos pagos por Trump, tal argumento não poderá mais ser utilizado.

TOMA-LÁ-DÁ-CÁ
Esta não é a primeira vez que um jornal publica informações relacionadas às declarações de impostos de Donald Trump. No ano passado, o New York Times informou que Trump pediu isenção do pagamento de impostos após a declarar prejuízos de 916 milhões de dólares nos seus negócios em 1995. No total, o magnata pode ter evitado contribuições para o fisco durante ao menos 18 anos. “O modelo de governo de Trump é negocial, ele pensa o tempo todo em termos de custo-benefício e está tentando governar uma nação como se estivesse dirigindo uma empresa privada”, diz o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, José Augusto Guilhon Albuquerque. “Essa idéia de toma-lá-da-cá pode funcionar bem para empresas, mas não no governo”.

A reforma tributária que Trump anunciará no início do segundo semestre é convergente com a que defendem os republicanos. Ronald Reagan, nos anos 1980, incentivou o consumo diminuindo os impostos para os setores mais ricos. Mas ele não era um empresário dono de negócios imobiliários no mundo todo. Ter conhecimento das declarações do imposto de renda antigas de Trump é importante, mas mais fundamental é acompanhar as futuras.

O fim dos 25%? 

> Trump pretende revogar a “Alternative Minimum Tax” (AMT), que fixa a alíquota de 25% para limitar outras isenções

> Em 2005, ele pagou em impostos US$ 38 milhões

> Sua declaração confirma receita de US$ 153 milhões e “perdas” de US$ 103 milhões em 2005 — provavelmente devido à depreciação do valor de bens declarados anteriormente

> Caso não houvesse a AMT, ele teria de pagar apenas US$ 5,3 milhões — o equivalente a 3,5% do que suas empresas faturaram em 2005