Quem guarda a imagem do escritor Jorge Amado deitado na rede, como se esperasse inspiração para um de seus premiados romances, nem imagina como sua vida foi agitada antes do sucesso de “Gabriela”, em 1958. O baiano de Itabuna, nascido em 1912, teve uma rotina repleta de viagens e emoções, digna de um filme de ação – bem diferente de seus romances, situados geralmente em um único lugar, a cidade de Salvador. Suas aventuras e relações familiares compõem o revelador Jorge Amado – Meu Tio, do jornalista Roberto Amado (filho de Joelson, irmão de Jorge). O livro traz um sincero perfil sobre o homem, com qualidades e defeitos, não a lenda literária que vendeu milhões de exemplares em todo o mundo.

A vida de Jorge Amado é fascinante sob qualquer ponto de vista, mas o contexto familiar a torna muito mais interessante. Começou na militância política antes mesmo de lançar o primeiro livro, O País do Carnaval, em 1931. Um ano antes, já estudava Direito no Rio de Janeiro e atuava como membro do Partido Comunista Brasileiro – o que o levou a ser preso pela primeira vez, em 1936. Foi um período criativo fértil: entre 1933 e 1937, publicou “Cacau”, “Suor”, “Jubiabá”, “Mar Morto” e “Capitães de Areia”. Apesar das citações “à luta do proletariado” em todas essas obras, a literatura e a política só convergiram em 1942, quando publicou O Cavaleiro da Esperança, biografia de Luis Carlos Prestes, líder do partido comunista. Em sua obra, Roberto Amado fala como o preconceito em relação à ideologia do tio, mais tarde, recaiu sobre ele: “Roberto é sobrinho do Jorge Amado, então é comunista”, anunciou o colega de classe, apontando o dedo para mim como se eu tivesse cometido um crime”, escreve o autor. “Meu tio Jorge elegeu-se deputado federal constituinte em 1946. Sua maior contribuição foi o projeto de lei que garante a liberdade religiosa, texto cuja essência segue em vigor até hoje.” Pouco antes, em 1945, conheceu a paulista Zélia Gattai, por quem se apaixonou enquanto ambos trabalhavam pela anistia aos presos políticos.

Com o fim do mandato, o escritor se auto-exilou em Paris e, mais tarde, em Praga, na antiga Tchecoslováquia. “Ele morou em um castelo reservado para escritores. Na volta, depois de anos sem lançar nada, escreveu Gabriela, Cravo e Canela.”. O romance representou o fim do ativismo político: as revelações do líder soviético Nikita Kruchev sobre os crimes cometidos por Joseph Stálin o levou a se desligar do Partido Comunista. “Alguns diziam que ele era um agente infiltrado da União Soviética. Outros, que era um traidor. As duas posições estão parcialmente corretas”, afirma Roberto.

O autor lembra das temporadas que o tio passava no apartamento da família em São Paulo, no bairro de Higienópolis, sempre que estava na cidade para algum evento imporatnte. Como no lançamento de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, em 1966. Jorge e Zélia vieram de carro de Salvador, mais de mil quilômetros de viagem. “No bagageiro da Veraneio, lembranças para a família, além de dez quilos de farinha, garrafas de pimenta malagueta, frutas como sapoti, mangaba, umbu, pitomba…”, lembra Roberto. As memórias são prato cheio para quem é fã do autor baiano, mas também para quem quer entender como a presença de uma figura tão intensa e criativa influencia a vida dos familiares à sua volta.