Eles apresentaram em Cannes “Bacurau”, filme sangrento e de grande carga política sobre uma comunidade sitiada. Para os cineastas Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, muito comprometidos contra o novo presidente Jair Bolsonaro, os brasileiros “devem realmente se unir” hoje “para resistir a certas coisas loucas”.

Exibido na quarta-feira (15) à noite o filme, que disputa a Palma de Ouro, conta a história do vilarejo imaginário de Bacurau, no sertão brasileiro, “daqui a alguns anos”.

O vilarejo é atingido por fenômenos estranhos. Desaparece do mapa, os celulares param de funcionar e os moradores se veem isolados. Misteriosos assassinos – que se revelam americanos contratados pelas autoridades locais – surgem com a missão de eliminar a população, decidida, porém, a não se entregar.

Filme de gênero, entre o faroeste, sobrevivência e fantasia, “Bacurau” é o terceiro longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, diretor de “Aquarius”, que esteve em competição em Cannes há três anos. Codirigido por Juliano Dornelles, seu diretor artístico em vários outros projetos, tem no elenco a atriz Sonia Braga.

Há três anos, em Cannes, o cineasta protagonizou ao lado do elenco de Aquarius um protesto no tapete vermelho para denunciar “um golpe de Estado” contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

Desta vez, “não terá protesto” contra o presidente Jair Bolsonaro, “o filme é suficiente”, segundo explicou Mendonça em entrevista à AFP, ressaltando que este trabalho, cujo roteiro começou a ser escrito há dez anos, foi pego pelo caminho pela realidade.

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“Quando escrevemos o filme, Trump não passava de uma piada. Então ele foi eleito (…) Depois Bolsonaro foi eleito. Qual impacto que isso poderia ter sobre o filme? O que estávamos fazendo acabou se tornando obsoleto diante dos eventos”, declarou o diretor de 51 anos.

“Cada semana no Brasil é como se tivéssemos uma propaganda para ‘Bacurau’ nos jornais”, disse Juliano Dornelles, explicando que o roteiro “tinha muito humor no início”, mas que “a realidade” acabou tornando o filme muito mais sério.

– A poção mágica do Astérix –

Kleber Mendonça Filho diz nutrir “uma espécie de utopia: quando as pessoas se unem, é melhor”.

“No Brasil, neste momento, devemos realmente nos unir para resistir a certas coisas loucas que estão acontecendo” com o novo presidente.

A cidade do Rio de Janeiro, “por exemplo, agora vive um momento deprimente, a nível municipal, estadual e federal. As pessoas estão se mudando para Recife (sua cidade natal) como se fossem refugiados e os estamos acolhendo, porque de alguma maneira continuamos protegidos cultural e politicamente”.

“Penso que ‘Bacurau’ é um pouco como isso”, ressalta. “Era uma das ideias do filme”.

Apesar disso, os diretores se deixam levar atrás da câmara pelos caminhos da imaginação. Convertidos em resistentes, os habitantes de Bacurau contra-atacam a sangue frio graças a uma potente droga que os impede de sentir medo para ser tão sanguinários como seus agressores.

“É como a poção mágica do Astérix!”, disse Dornelles.

Filmado com lentes anamórficas usadas no cinema americano dos anos 1970, o filme é nutrido por muitas referências, especialmente americanas, desde o cinema de Sam Peckinpah até o de John Carpenter, passando por John Boorman e Brian de Palma, com uma violência estilizada, gráfica.


“Eu acho que a violência vem da história”, afirmou Kleber Mendonça Filho, que diz “não ter medo” de falar sobre o Brasil em seus filmes.

“Para nós, é muito fácil fazer filmes políticos”, afirmou. No sentido contrário, “quando assisto uma comédia romântica ou mesmo um filme de ação em cinemas comerciais, penso que deve ter sido muito trabalhoso fazer esse filme completamente apolítico!”


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