O que se vê na porta das escolas são crianças e adolescentes com os olhos brilhantes tentando recuperar uma rotina há muito abandonada e voltando a enxergar o futuro com mais esperança. Euforia, saudade e apreensão são emoções que se misturam nessa cautelosa volta às aulas em diversas partes do País, depois de 15 meses sem ensino presencial por causa da pandemia. Em São Paulo, por exemplo, a maior parte dos colégios particulares começou a retornar em abril com 35% da presença dos alunos, mas turmas completas só foram autorizadas, seguindo todos os protocolos, agora. A presença ainda não é obrigatória — poderá ser em setembro — e para a maioria dos estudantes isso não importa. O que mais vale é retomar o convívio social com os amigos e os professores e recuperar o tempo perdido na tragédia sanitária, que desafiou o sistema de aprendizado com a disseminação do ensino remoto e manteve milhões de estudantes em casa para enfrentar uma inédita experiência de isolamento.

MONITORAMENTO O diretor da E.E. Milton Rodrigues, Osmar Carvalho, observa a sala: 300 alunos voltaram, mas a escola opera com turnos de 60 para cumprir os protocolos (Crédito:Wanezza Soares/ Isto É)

“A vida social da criança é a escola. De repente, isso foi tirado pela pandemia e todos se viram obrigados a uma readaptação”, afirma a professora de Educação Física Marta Campos, mãe de Lorena Branco, 12 anos, estudante do Colégio Sion, na Zona Oeste de São Paulo. “Tivemos que reaprender muitas atitudes. Os pais precisaram incentivar os filhos e os professores têm de dar um passo atrás nas exigências.” Na manhã de terça-feira 3, primeiro dia de aula, Marta se mostrava segura em levar Lorena e a amiga da filha, Valentina, para as aulas. “Estou contente por voltar. Senti falta dos amigos, das aulas e dos professores”, disse Lorena enquanto passava álcool gel nas mãos, na porta do colégio.

O esforço dos pais para que os filhos acompanhassem o ensino virtual foi fundamental nesse período pandêmico. “Nós fizemos juntos tarefas, até mesmo receitas de comidas, como parte das lições de matemática”, comenta o engenheiro Thomas Diepenbruck, 49 anos, que ajudou as duas filhas, Nicole e Júlia, de 12 e 8 anos, nas atividades do Colégio Porto Seguro. Por uma questão de hábito, ele fez questão que as meninas vestissem os uniformes da escola, seis horas por dia, durante o período de 15 meses em que elas ficaram só no virtual. “A escola deu um bom suporte tecnológico. Acho que elas se lembrarão bem dessa época. Foi um tempo de desafios, mas também de aprendizados”, observa.

O Porto Seguro tem 9 mil alunos em quatro unidades. A diretora-geral da escola, Silmara Casadei, diz que foi necessária uma verdadeira operação logística quando começou a pandemia, em março de 2020. “Montamos 318 salas-estúdio, uma para cada professor. Hoje, todas têm câmeras, microfone e telão para projetar as lições”, diz. Os professores tiveram um papel importante e precisaram lidar com o medo dos pais. “Houve situações complicadas, de pais chorando no Zoom porque os filhos estavam em casa o dia inteiro. Agora, os alunos voltaram e precisamos lidar com as suas expectativas”, diz Flávio Constantino, diretor-geral do Sion. Em frente ao Sion, o Colégio Rio Branco reabriu para aulas presenciais na quarta-feira 4, no ensino fundamental. “Percebemos que a prioridade era para os pequenos porque os pais têm uma necessidade mais urgente,” disse o diretor Renato Júdice, que recepcionava os alunos na porta.

Nova organização

Em todas as escolas, a volta às aulas representou um esforço de reorganização do espaço físico, com os protocolos de distanciamento social e uso de máscaras. Cada mesa ou carteira precisa guardar uma distância de um metro para outra. As crianças e adolescentes não podem se aglomerar e abraçar. Os horários dos recreios das turmas são diferentes. Ainda assim, as crianças estão felizes. “Aqui todo mundo é do ensino médio. Os adolescentes querem abraçar e beijar, é a fase do toque. Então, tivemos de estruturar a escola de acordo com todos os novos protocolos praticados”, diz Osmar Carvalho, diretor da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, que tem 360 alunos em tempo integral e 300 estavam de volta no começo do mês.

“O ensino remoto em casa é difícil, a gente se distrai muito”, afirma Guilherme Ramalho, 16 anos, aluno do 1º ano do ensino médio na Milton Rodrigues. Seu colega de sala Victor Lucas, 15 anos, se disse empolgado em voltar. “Minha irmã já havia estudado aqui e por isso eu sabia que a escola tem um ambiente legal”, comenta Lucas. Eles dizem que a pandemia foi um período difícil e pensam no futuro. Guilherme quer ser ator e Victor quer ser veterinário. Em outra escola estadual, a Fidelino de Figueiredo, a volta foi mais lenta do que se previa, por causa do atraso na adaptação das salas de aula. O subsecretário de Educação de São Paulo, Patrick Tranjan, diz que o foco no momento é trazer o estudante para a escola e garantir que todos cumpram os protocolos de distanciamento. “Os colégios que não conseguirem, operam no esquema de rodízio”, explica. Isso significa que se não for possível atingir a distância de um metro entre uma mesa e outra, os horários de aula precisam ser alternados.

“Nem nas duas guerras mundiais as instituições de ensino ficaram fechadas por tanto tempo. Vivemos uma grande crise que deixou cicatrizes tremendas”, observa a professora Claudia Costin, diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV. Segundo ela, o aspecto positivo é que autoridades, “infelizmente não todas”, saíram da zona de conforto. Ela também destaca que houve um avanço da digitalização, principalmente no ensino fundamental. Os aspectos negativos foram o aumento nos casos de depressão, violência doméstica, exploração sexual e trabalho infantil em todo o País. “Do ponto de vista da criança e do adolescente, a volta às aulas é muito bem-vinda”, avalia. E lembra que o ensino presencial funciona para os jovens como uma introdução indispensável para a vida em sociedade: “Ele incentiva a trabalhar em grupo e a ser persistente”.

A psicopedagoga Carolina Araújo de Oliveira explica que, no caso dos jovens e adolescentes, recuperar a matéria eventualmente perdida durante a pandemia é um processo menos penoso do que para as crianças: “Houve uma defasagem pedagógica, principalmente com as crianças pequenas”. Na terça-feira, ela levou a filha, Beatriz, de 3 anos e meio à Creche Laura Dias, em Santo André (SP). “Como mãe, vejo que minha filha ficou muito feliz. Ela não comeu a comida da escola porque achou diferente da minha, mas faz parte do desenvolvimento. É uma adaptação”, comenta. Para os pequenos, em fase de alfabetização, o isolamento foi especialmente delicado. No Pentágono, um menino de 7 anos gritou na sala: “Joana, você tem pernas!”. A professora Joana Tavares de Figueiredo, que leciona há vinte anos, deu risada. O aluno da 2ª Série está aprendendo a ler e só conhecia a professora pela tela do computador. Confirmou que ela não é apenas uma personagem virtual. Joana diz que a experiência foi válida, mas se sente feliz que as aulas presenciais tenham voltado. “Fui muito bem recebida pelas crianças. que só conhecia remotamente”, conta. Na Escola Carinha Suja, com crianças de até 5 anos, houve investimentos. “Agora temos aulas virtuais e presenciais. Acho que o pior da pandemia passou”, diz a diretora, Regina Tacla. “Esse contato diário é fundamental para as crianças.”

No outro extremo da grade escolar, os universitários também tentam recuperar o otimismo. A maioria das universidades particulares em São Paulo continua apenas com o ensino remoto, como o Mackenzie e a PUC, visitadas pela reportagem. Nas que voltaram a funcionar, como a Faap, os sentimentos são conflitantes. “Tive duas aulas até agora e a faculdade segue todos os protocolos. É muito bom voltar e cursar o que eu gosto”, afirma Laura Agresti, estudante de Artes Visuais. Laura diz que a pandemia mexeu com sua noção do tempo: “Até voltar às aulas, tinha a impressão de que ainda estava em 2020. Mas estou otimista, embora com um pouco de medo. Sempre nos perguntamos se é cedo para reabrir.”