A despoluição de um dos principais rios da cidade de São Paulo, o Pinheiros, era um dos maiores desafios ambientais urbanos do País e gerou promessas frustradas por décadas. Agora, o governador João Doria, que passará o bastão da administração estadual para o vice Rodrigo Garcia no próximo dia 2 para iniciar sua corrida à Presidência em outubro, inaugurou uma nova fase nas obras e comemora os resultados de um ambicioso projeto iniciado em 2019. A transformação do rio que corta uma das áreas mais valorizadas da capital paulista tem tudo para virar um dos principais cartões postais da sua campanha. O objetivo ambicioso é repetir o feito já realizado por Paris, com o rio Sena, e por Londres, com o rio Tâmisa. Paris ganhou até praias artificiais nas margens do seu rio mais famoso. E a margem sul do Tâmisa recebeu vida nova após séculos, com direito ao London Eye, roda-gigante imitada em todo o mundo, e o teatro original de Shakespeare renascido após trabalhos arqueológicos. Esse espaço modernizado virou uma das regiões mais valorizadas da capital britânica. Na América Latina, Buenos Aires criou um novo marco turístico no Puerto Madero, região degradada de antigos galpões logísticos de transporte fluvial que se tornou um shopping center e polo de restaurantes descolados.

CARTÃO POSTAL Ponte Estaiada no rio PInheiros: depois da despoluição, a região está ganhando um parque linear e deve se transformar em uma área turística da capital (Crédito:Divulgação)

Na última quinta-feira, 24, Doria deu início às obras de revitalização da Usina São Paulo (antiga Usina da Traição), que se espelha no exemplo argentino. Depois de vencer a concessão do espaço por R$ 280 milhões, um consórcio ínaugurou os trabalhos para a implantação de restaurantes, lojas, cinema ao ar livre, escritórios e mirante com vista 360 graus. Esse complexo, que deve ficar pronto até 2024 (a concessão vai até 2042), vai se conectar com um novo parque linear, batizado de Bruno Covas, que corre paralelo ao rio em dois trechos de 8,2 quilômetros e 8,9 quilômetros. Parcialmente em funcionamento, ele já tem ciclovia, pista de caminhada, playgrounds e, áreas de piquenique. Nos próximos meses ganhará quadras de basquete, beach tennis e vôlei. O acesso pode ser feito por uma linha da CPTM que corre paralela ao Pinheiros. Esse novo marco é uma aposta ousada e depende da efetiva concretização da recuperação do rio. Doria exibiu números para provar que, finalmente, a despoluição começa a se concretizar. Diferentemente de tentativas anteriores, quando apenas eram retirados os detritos do fundo do rio, ou então eram feitas experiências de oxigenação do rio, o projeto atual de saneamento básico da bacia do Pinheiros ataca a raiz dos problema: a ligação de rede de esgoto nas regiões que despejam efluentes no rio. Os contratos da atual gestão subordinaram os pagamentos às empresas contratadas a metas de ligações realizadas (no passado, dragas chegaram a ser flagradas despejando de volta ao rio o material já coletado). E os números são impressionantes: 554 mil imóveis foram conectados à rede de água e esgoto pela Sabesp. Mais de 1,6 milhão de pessoas passaram a contar com esgoto tratado.
Isso não resolve o problema. Segundo a administração estadual, estão sendo construídas em nova etapa do programa cinco Unidades Recuperadoras para conectar áreas informais e locais onde não há viabilidade para a passagem dos coletores. Por exemplo, regiões de ocupação irregular.

85% das águas menos poluídas

Essas providências já trouxeram resultados práticos. Nada menos que 85% das águas do rio já têm mais oxigênio e menos poluição. Dos 13 pontos de monitoramento do manancial, 11 já apresentam o chamado DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) abaixo de 30 mg/l, quantidade mínima para que a água não tenha odor, melhore a turbidez e permita a vida aquática. São resultados surpreendentes para um rio que a população já considerava condenado. Resta resolver a situação dos outros rios que abastecem a cidade e se conectam ao próprio Pinheiros. Mas aí também há notícias encorajadoras. As medições de esgoto doméstico que chegam por meio de afluentes ao Pinheiros tiveram redução de 45 para 26 toneladas/dia. A tarefa é hercúlea, mas há mudanças importantes. Basta lembrar que a segunda maior cidade de São Paulo, Guarulhos (1,3 milhão de habitantes), despejava praticamente todo o seu esgoto in natura no rio Tietê. Agora, sua rede está sendo conectada à companhia estadual de saneamento.

Há razões para ceticismo da população por tantas promessas que não foram cumpridas nos últimos 70 anos. Mas Doria espera, de fato, ter inaugurado um novo capítulo na reurbanização da cidade. Na região da marginal Pinheiros já está um dos novos cartões postais de São Paulo, a ponte Estaiada. Agora, o novo rio Pinheiros pode virar uma nova fronteira de modernização do município e significar também um farol para novas transformações no País. A Baía da Guanabara, por exemplo, até hoje aguarda sua despoluição. O Marco do Saneamento recém-aprovado pelo Congresso pode dar um empurrão para esses projetos. Mas o tucano conta com sua iniciativa pioneira para abrir uma trilha que o leve até Brasília.