Um dos mais refinados trabalhos científicos realizados nos EUA caminha junto com um antigo sonho da humanidade: viver para sempre. O experimento é de responsabilidade de pesquisadores da Universidade de Yale e foi recentemente publicado no renomado periódico científico Nature. Ele se resume em restaurar parte de funcionamento celular em órgãos após a morte. O procedimento minucioso deu-se com animais, porcos de laboratório, cujos corações deixaram de bater por meio de choques elétricos. Depois, os suínos foram deixados em sala cirúrgica por uma hora, e, na terceira etapa, conectados a uma máquina chamada OrganEx, que começa a revelar algumas chaves para entender, prolongar ou reativar a vida das células.

“O trabalho será útil porque teremos uma janela maior para retirar os órgãos do animal e transplantá-los” Mayana Zatz, geneticista (Crédito:GABRIEL REIS)

Na prática, o equipamento opera de maneira semelhante a um coração artificial, bombeando um líquido que circula por todo o corpo do animal pelos vasos sanguíneos, fornecendo oxigênio e nutrientes. O “sangue sintético” também insere substâncias químicas que impedem que ocorra o processo degenerativo por falta de oxigenação. Isso é necessário porque após a interrupção do fluxo sanguíneo, como de praxe, inicia-se uma reação em cascata que acaba inevitavelmente resultando em óbito do indivíduo. Na sequência, houve a análise do miocárdio e outros órgãos.

“Percebemos que as células não morreram de forma imediata”, constatou Zvonimir Vrselja, neurocientista e coautor do estudo. Ao contrário. Ele viu que, na verdade, ocorreu uma série de eventos e as células voltaram a efetuar funções como a produção de proteínas. Em outros termos, o porco não saiu do laboratório andando como se nada tivesse acontecido nem apresentou sinais vitais mais relevantes, mas a inovação é promissora quando se pensa na manutenção da vida.

O uso do aparelho desfibrilador em casos de parada cardíaca e os transplantes de órgão entre humanos são exemplos comprovados de como a medicina pode prolongar a existência. Ocorre, no entanto, que o OrganEx abre caminho para o aperfeiçoamento da terapia de transferência e aproveitamento de órgãos de suínos para pessoas, os xenotransplantes. Isso é o ideal para acabar com a fila de pessoas que precisam, quase sempre com urgência, trocar de órgão. “O procedimento seria útil porque teríamos uma janela maior para retirar os órgãos do animal e transplantá-los”, afirma a geneticista Mayana Zatz, do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Ela está correta. Os cientistas de Yale avaliaram que não apenas o coração, mas outros núcleos em diversos órgãos dos porcos retomaram suas atividades. Ou seja, expandir a disponibilidade de órgãos a serem doados é uma realidade cada dia mais próxima.

PESQUISA No laboratório da Universidade de Yale, nos EUA, realizou-se um estudo no qual se percebeu que as células de órgãos de porcos voltaram a realizar funções após a morte. A façanha foi divulgada recentemente na revista Nature

O equipamento OrganEx é uma adaptação do aparelho BrainEx, empregado com o mesmo intuito, mas somente para o cérebro. O dispositivo surgiu em 2019, na mesma instituição, com a participação dos mesmos especialistas, publicado na mesma revista, e, como dessa vez, os suínos também serviram de cobaias. Na época, os animais já tinham sido abatidos ao serem ligados ao BrainEx e receberam também preparados químicos. Além de ser a massa cinzenta o objeto da pesquisa, há mais diferenças. Foi possível acompanhar o curso sanguíneo por um aparelho de ultrassom. Quando o procedimento começou, os cérebros estavam sem circulação e sob temperatura ambiente há quatro horas. O fato principal descoberto foi que as células não se comunicavam entre si, mas havia vida. Isso foi verificado porque se captou baixas atividades elétrica e de absorção de oxigênio. Naquele momento, Vrselja declarou: “Vimos que os cérebros extraíram oxigênio e usaram glicose para produzir dióxido de carbono”.

Há três anos a intenção é avançar com a técnica para se chegar a tratamentos mais assertivos contra AVCs e outras lesões cerebrais como o Alzheimer. Será, sem dúvida, uma enorme façanha cientifica poder recuperar plenamente o funcionamento de órgãos após a morte. Mas, por enquanto, o entendimento sobre o momento em que a vida acaba permanece seguindo o protocolo. “A morte é definida quando não existe atividade cerebral, embora os órgãos possam ainda estar funcionando”, pontua Mayana. E ter essa certeza é essencial para se definir quando os médicos devem parar o esforço de ressucitação e, quando há permissão e condições, começar os trâmites de retirada de órgãos.