Um belíssimo trabalho de investigação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), a partir de quebras de sigilos bancário e fiscal, escutas telefônicas autorizadas pela Justiça e quebra de sigilo telemático (mensagens, e-mails etc.) apurou um espantoso caso em que diversos crimes foram praticados, em tese, por agentes públicos, empresários locais e um vereador muito conhecido, e aliado íntimo do ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil.

Leonardo Silveira de Castro Pires, ou simplesmente Léo Burguês, encontra-se em seu quinto mandato de vereador. Acostumado a ver o nome de Burguês envolvido em rumorosos casos policiais, como em 2007 quando foi acusado de não pagar e agredir dois travestis, ou no que ficou conhecido em BH, capital mundial do pão de queijo, como “escândalo das coxinhas” (o vereador foi condenado em 2021 pelo Tribunal de Contas do Estado em mais de 120 mil reais por compras irregulares de salgadinhos em empresa de um familiar), o eleitor da capital mineira parece nem mais se surpreender.

OUTRO PATAMAR

Porém, dessa vez, segundo relatório pormenorizado do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) de Minas Gerais a que esta coluna teve acesso, em 271 páginas, supostos crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, advocacia administrativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, com a participação de funcionários fantasmas da prefeitura da cidade, Leo Burguês chefiou um esquema de crimes financeiros diversos que envolveu até mesmo o pagamento a sites de jogos “on line” e o custeio, com dinheiro público, de funcionários em uma pousada de sua propriedade.

O MPMG encontrou também o pagamento de despesas pessoais e reformas em imóveis do vereador, sempre com recursos, em tese, ilícitos, obtidos através de esquemas de “rachadinha” com funcionários que indicava e que eram empregados no Poder Executivo de BH. Neste momento, é oportuno lembrar de uma possível responsabilidade do ex-prefeito Alexandre Kalil, alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, que se iniciará em fevereiro, a fim de apurar possíveis usos da máquina administrativa em proveito pessoal.

BATOM NA CUECA

As degravações dos áudios captados em escuta e a transcrição das mensagens dos aparelhos de celular dos envolvidos apresentam provas robustas de crimes cometidos em série, e por muito tempo (sempre de acordo com o relatório do Gaeco), e detalham de forma nauseante o dinheiro do contribuinte servindo a propósitos ilegais. Até mesmo a obtenção de alvarás de casas noturnas e de heliponto, a partir de uma extensa rede de servidores públicos a serviço de Burguês, que cobrava de empresários por sua influência (advocacia administrativa) são demonstrados pela Polícia com fartura de provas materiais.

Dentre tantos crimes cometidos, segundo o MP, há o de ocultação de patrimônio, como automóveis de luxo, registrados em nome de terceiros, mas em posse de Burguês. Neste caso, chama a atenção, ironicamente, o fato de o vereador ter produzido provas contra si, já que diversas multas recebidas pelo veículo foram registradas, pelo próprio, como sendo o “real condutor”. Outro caso semelhante se refere a um imóvel registrado em nome de terceiros, mas que o vereador recebe – e declara em seu Imposto de Renda – aluguéis há muito anos.

ABAIXO, A DENÚNCIA DO MP

Leonardo Silveira De Castro Pires, o Leo Burguês, vereador de Belo Horizonte: utilizou a possibilidade de indicação de um cargo público para que o novo servidor quitasse, com parte do próprio salário, as dívidas dele; utilizou parte do salário de servidores do gabinete para o pagamento de despesas pessoais, movimentou grande quantidade de dinheiro em espécie, oriundo do saque promovido por servidor do próprio salário; utilizou de mão de obra de servidores públicos, em horário de trabalho, para atividades particulares. E mais:

Mão de obra em evento que promoveu, uso de motoristas da CMBH levar filha para a escola, uso de veículos e motoristas da CMBH para levar servidora para trabalhar como diarista em empreendimento; utilizou da influência política para evitar a devida fiscalização da administração pública em empreendimento irregular (Mister Rock) em troca de capital político, defendeu interesse particular (de Leandro) junto à administração pública em troca de investimento no evento “Encantos de Natal”. E ainda:

Usou interposta pessoa em empresa, da qual usou os ganhos em investimentos na pousada; ocultou patrimônio móvel e imóvel, tanto da Receita Federal como da Justiça Eleitoral (usando as interpostas pessoas de ALEXANDRE SILVEIRA DE CASTRO PIRES como “laranja” na LCM Eventos e MARIANA CHAVES BATISTA, ex-namorada de LEO BURGUÊS, cedeu a conta bancária para que LEO ocultasse patrimônio, não sendo possível identificar dolo por parte desses); usou recursos obtidos de forma ilícita em um empreendimento próprio, o Chateau Benigna, cujo resultado final é a obtenção de capital limpo; realizou despesas e declarações eleitorais com sinais de irregularidades.

Os possíveis crimes eleitorais de LEO BURGUÊS foram identificados na utilização de parte do salário de servidor da CMBH para pagar profissional usado na campanha eleitoral de 2020 (conforme exposto no item 2.1.2), que gerou um ganho de receita de campanha (além da apropriação do valor), não declarado na prestação de contas. Além disso, as multas junto ao TRE, pagas por GABRIEL e BINHA também não foram declaradas como tendo sido pagas por terceiros (item 2.2.1). LEO BURGUÊS omitiu a propriedade de veículo e apartamento na declaração de bens junto à justiça eleitoral para as eleições de 2020 e 2022 (seção 5.3.1). Foi identificado também que despesas foram feitas sem a devida declaração, como os veículos locados e entregues a apoiadores para uso na campanha (na parte 5.3.3).

Diante desses fatos, sugere-se o envio desse material para que se derive o devido processamento das investigações de tais fatos, potencialmente identificados como crimes eleitorais.

LEO BURGUÊS

Em nota, o parlamentar declarou que recebeu a notícia com “grande indignação e perplexidade”. Bem, se ele sentiu-se assim, imaginem seus colegas vereadores, eleitores e contribuintes, que tiveram acesso ao relatório do GAECO e se depararam com tantas e tamanhas provas materiais. Agora, a expectativa é que a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte (CMBH), provocada por qualquer cidadão ou entidade, abra um processo de cassação do vereador o mais rápido possível, e que responsabilidades do ex-prefeito Alexandre Kalil, se houver, sejam também apuradas, já que Burguês foi seu líder na Casa e é aliado íntimo.