Após mais de três meses de trabalhos parados e intensas negociações, as comissões permanentes na Câmara dos Deputados retornaram oficialmente nesta quarta-feira, 19, e as notícias para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) podem ser favoráveis. Com o fim das articulações, o Planalto pode ter tranquilidade na tramitação de pautas econômicas, ganhou o cabo-de-guerra na Comissão de Relações Exteriores e pode contar com o Centrão para equilibrar as forças contra a oposição.
A “mão de ferro” do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), para evitar o andamento de pedidos de urgência e dar protagonismo maior para as comissões, obrigou o governo a se reposicionar na busca pelas principais comissões. Com mais de dois meses de negociação, a Federação PT/PCdoB/PV emplacou sua primeira vitória ao conquistar seis comissões, uma a mais que o PL, com cinco, que teria direito a maior fatia pelo critério da proporcionalidade.
Das seis pedidas, as coadjuvantes são: Direitos Humanos, Consumidor, Cultura e Povos Originários. A primeira e a terceira devem ficar com o PT, enquanto PCdoB e PV assumem as outras duas, respectivamente.
Inicialmente, o PT tinha interesse na comissão de Educação, mas a interferência do Planalto obrigou a legenda a alterar a rota e focar nas comissões de Fiscalização e Controle e Finanças e Tributação.
A primeira é a única que pode convocar todos os ministros para prestar esclarecimentos, sob qualquer condição. Com a gestão petista, o colegiado poderá segurar a convocação e evitar o maior enfraquecimento do governo.
Já Finanças e Tributação deverá analisar as propostas econômicas enviadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que será o foco do governo para o ano. A prioridade é a tramitação rápida e a aprovação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
O governo ainda conseguiu, às duras penas, evitar que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) assumisse a Comissão de Relações Exteriores. Horas antes das definições, Eduardo anunciou seu afastamento da Câmara para se manter nos Estados Unidos.
A cúpula do PT tinha a preocupação da comissão virar um palco para aproximar o Legislativo ao governo Donald Trump, nos Estados Unidos, além de atacar as instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo com as tentativas, o partido não conseguiu evitar a indicação do PL, que nomeou o bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) como o novo presidente da comissão.
Na avaliação do cientista político e professor da ESPM-SP Paulo Ramirez, a entrada de Barros na CREDN não deve impactar na mesma proporção em comparação a um Bolsonaro. A comissão deve analisar todos os acordos comerciais com outros países, como a China, uma das prioridades do país nestes primeiros meses.
“A Comissão de Relações Exteriores tem um valor muito mais simbólico nesse caso, porque de fato o Itamaraty, pelo menos dentro das análises da ciência política e das relações internacionais aqui do Brasil, acaba mostrando que o Itamaraty tem vida própria”, afirma.
“A ideia original do Eduardo Bolsonaro era tentar vincular a bancada bolsonarista, ou se aproximar mais do governo Trump, e me parece que o nome de Felipe Barros é um bolsonarista, mas não tão radicalizado quanto o próprio grupo do Bolsonaro, a família Bolsonaro para ser mais exato”, completa o professor.
Mar calmo? Há controvérsias
De quebra, o governo conseguiu emplacar aliados em comissões estratégicas, como a do Meio Ambiente. Elcione Barbalho (MDB-PA), mãe do governador do Pará, Helder Barbalho, assumirá o comando do colegiado que debaterá propostas ambientais em ano de COP-30, uma das maiores vitrines do governo Lula no cenário internacional.
O Planalto ainda poderá ter um aliado na comissão de Ciência e Tecnologia, com Ricardo Barros (Progressistas-PR) no comando dos trabalhos. Barros foi ministro de Michel Temer (MDB) e líder de governo de Jair Bolsonaro (PL), mas tem proximidade com o Palácio do Planalto e esteve, por exemplo, na posse de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais.
“O fato de haver um domínio do Centrão nessas comissões não significa que seja um mar absolutamente calmo. Tudo vai depender da maneira como o governo dialogar com esse grupo de centro, seja através da distribuição de verbas para as verbas parlamentares e também uma alocação maior dos partidos de centro dentro do governo, seja empresas estatais, ministérios”, afirma Paulo Ramirez.
Mas o mar calmo vai depender de muitas remadas do Planalto. Na comissão mais importante da Casa, a de Constituição e Justiça (CCJ), a presidência ficou para o deputado Paulo Azi (União Brasil-BA). Azi é um membro do Centrão clássico e aliado do ex-prefeito de Salvador ACM Neto.
Na visão do professor da ESPM, o cenário para o governo pode ser melhor neste ano se comparado a 2024, quando a presidência do colegiado ficou com Caroline de Toni (SC), do PL. Mas, para isso, deverá fazer mais concessões, seja de cargos ou emendas.
“Se o governo distribuir benefícios a esses parlamentares do grupo da União Brasil, provavelmente o Lula não terá grandes dificuldades. Agora, se sim, a gente vai ver desde as questões em torno das pautas em torno da anistia, seja para o Bolsonaro ou mesmo para os golpistas do 8 de janeiro, ou até mesmo pautas morais de todo o gênero”, ressalta.