Alvo recente de protestos de rua e símbolo do que vem sendo chamado de “velha política”, o Centrão completa neste ano três décadas como fiel da balança na relação da Câmara dos Deputados com todos os presidentes eleitos democraticamente desde 1989. De lá para cá, a atuação desse conjunto de partidos – organizados para ter força na negociação com o Executivo – foi determinante para manter ou tirar presidentes do cargo, aprovar ou recusar reformas e definir o ritmo da pauta, especialmente quando o governo tem dificuldades em articular uma base parlamentar. Hoje, reúne 42% dos partidos com representação na Casa.

Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), realizado a pedido do jornal O Estado de S. Paulo, mostra que o Centrão atual, com cerca de 225 deputados, perdeu 16% de seus votos na comparação com os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Até a posse de Jair Bolsonaro, o bloco tinha 270 representantes, o maior desde a redemocratização. Mas confirma também que a força do grupo não está necessariamente em seu tamanho, mas em sua capacidade de articulação – tem representantes em 11 dos 26 dos partidos da Câmara.

A situação atual reflete a história do bloco idealizado ainda na Constituinte, em 1987. O grupo mostrou força logo na primeira composição. Resultado de um racha entre conservadores e progressistas do MDB, e criado para defender os interesses liberais do mercado nas fases de subcomissões e comissões temáticas, o Centrão reuniu no seu início em torno de 300 dos 559 constituintes (487 deputados e 72 senadores) e passou a influenciar todo o processo ao conseguir, em plenário, mudar o regimento interno.

Ao longo de três décadas, o Centrão foi decisivo para os diversos governos, contra e a favor. Como na aprovação do mandato de cinco anos para José Sarney, do impeachment de Dilma, e na rejeição das denúncias contra Temer.

Ainda que sem um caráter orgânico como visto hoje, já era possível identificar na origem do bloco alguns porta-vozes e ao menos quatro interesses que os uniam: o liberalismo econômico, a pauta conservadora nos costumes e as demandas ruralistas e governistas. Entre os líderes destacavam-se os deputados Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) e Ricardo Fiúza (PFL-PE), todos já falecidos.

“A atuação do Centrão, enquanto grupo organizado, com liderança, funcionou na Constituinte, no governo José Sarney, posteriormente, nos governos Dilma, Temer e, agora, no de Bolsonaro”, disse o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Diap. Mas, segundo ele, nas gestões de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, embora não existisse formalmente o Centrão, os partidos que constituíam o seu núcleo se mantiveram decisivos.

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“Quando o presidente se mostra mais proativo, o Centrão se enfraquece”, afirmou o cientista político Luiz Domingos Costa, da PUC-PR. De acordo com ele, a flutuação no número de integrantes ao longo do tempo deriva diretamente da capacidade de organização da base do governo. “A dificuldade de articulação abre espaço. Quando o Centrão quer, aprova projetos. Mas, quando não quer, consegue travar o governo.”

A relação de embate com o governo Bolsonaro tornou o bloco alvo principal das manifestações de 26 de maio. Naquele domingo, apoiadores do presidente foram às ruas criticar a postura dos representantes do bloco, que, por exemplo, votou por tirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, comandado pelo ex-juiz Sérgio Moro.

Diferenças

A forte renovação das urnas em 2018 explica o menor número do Centrão. No atual cenário, dois fatores fortalecem o grupo: o partido do presidente – que passou de 1 para 54 deputados na última legislatura e tem pouca experiência na articulação política – e a indisposição de Bolsonaro para acordos com o Parlamento, o que tensiona a relação.

Pela composição do atual Centrão e pelas polêmicas relacionadas ao bloco no governo Bolsonaro – além do Coaf, o grupo aprovou, por exemplo, o Orçamento impositivo, que limita o controle do presidente sobre a execução orçamentária -, antigos líderes veem hoje diferenças entre as diversas composições. É o caso do ex-deputado federal Bonifácio de Andrada, de 89 anos, que deixou a Câmara neste ano, após dez mandatos consecutivos.

“Apenas o nome é igual. São duas substâncias parlamentares totalmente diferentes. Naquela época, o Centrão tinha uma incumbência e uma responsabilidade para a vida nacional. Era uma situação de anormalidade política, estávamos fazendo a Constituição. Hoje, é um momento de normalidade política. O Centrão define se apoia ou não o presidente”, disse, sem se posicionar contra ou a favor da atuação do bloco. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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