Em 14 de fevereiro de 1989, o aiatolá Khomeini, líder supremo da Revolução Islâmica do Irã, sentenciou à morte o escritor britânico Salman Rushdie por um romance acusado de ridicularizar o Alcorão e Maomé, “Os Versos Satânicos”.

Em uma fatwa (decreto religioso), o imã pediu a “todos os muçulmanos devotos” que executassem o autor do livro, os editores e “aqueles que conhecem seu conteúdo”, “de modo que ninguém insulte as santidades islâmicas”.

Ofereceu uma alta recompensa pela morte do escritor.

Rushdie se escondeu, protegido por guarda-costas. Nos primeiros seis meses, mudou-se 56 vezes.

O caso teve início em setembro de 1988 com a publicação desta obra de ficção por uma editora britânica, numa época em que ninguém ainda estava ciente da ascensão do fundamentalismo muçulmano.

No livro, Rushdie relata as aventuras picarescas de dois indianos, mortos em um ataque terrorista contra seu avião.

Graças à imaginação do escritor, mestre do realismo mágico, eles chegam em segurança em uma praia inglesa e se misturam com imigrantes de Londres, na era de Margaret Thatcher, nos anos 80.

– “Enforquem Rushdie!” –

É acima de tudo um romance sobre o desenraizamento do imigrante. “De todas as ironias, a mais triste é ter trabalhado por cinco anos para dar voz (…) à cultura da imigração (…) e ver como meu livro é queimado, na maioria das vezes sem ter sido lido, pelas mesmas pessoas das quais ele fala”, escreveu o escritor.

Assim que foi lançado, uma onda de indignação se espalhou pelo mundo muçulmano.

Foi o segundo capítulo (algumas dezenas de páginas de centenas) que provocou o escândalo.

Nele, o personagem vagamente ridículo do profeta Mahound, aludindo ao fundador do Islã, Maomé, prega a crença em outras divindades além de Alá, antes de reconhecer seu erro.

Na Índia, em outubro, o primeiro-ministro Rajiv Gandhi baniu o livro, na esperança de recuperar os votos dos muçulmanos nas eleições legislativas.

Foi seguido por cerca de vinte países. Em janeiro de 1989, cópias foram queimadas na praça pública de Bradford, no norte da Inglaterra.

Sua publicação nos Estados Unidos desencadeou ainda mais paixões. Autores como Susan Sontag ou Tom Wolfe participaram de leituras públicas.

No Paquistão, milhares de pessoas atacaram o Centro Cultural Americano de Islamabad, gritando “americanos cachorros” e “enforquem Rushdie!”. A polícia intervém, fazendo cinco mortos.

– 37 mortos na Turquia –

Londres e Teerã romperam relações diplomáticas por quase dois anos. Em 2 de março, 700 intelectuais de todo o mundo expressaram apoio ao direito de Rushdie à liberdade de expressão.

Khomeini morre em junho. Rushdie dá explicações no ano seguinte, como sinal de apaziguamento, em um ensaio intitulado “De boa fé”. Mas a raiva não vai embora.

Em 1991, quando Rushdie começa a reaparecer em público, seu tradutor japonês é esfaqueado e seus colegas italianos e noruegueses são atacados.

Dois anos depois, 37 pessoas morreram no incêndio em seu hotel na Turquia por manifestantes contra o tradutor turco, que sobreviveu.

Em 1998, o governo iraniano do presidente reformista Mohamed Khatami promete que o Irã não implementará o decreto.

Mas, em 2005, o líder supremo Ali Khamenei afirma que matar Rushdie ainda é permitido pelo Islã.

Quando o escritor, alvo de inúmeras tentativas de assassinato, é nomeado cavaleiro pela rainha da Inglaterra, em 2007, o Irã fala de “islamofobia” e extremistas muçulmanos, especialmente no Paquistão, mais uma vez expressam sua ira.

Em 2016, vários meios de comunicação iranianos, em um contexto de tensões dentro do regime ortodoxo e reformista, adicionaram US$ 600.000 à recompensa pela cabeça do escritor, elevando-a a mais de 3 milhões de dólares.

Salman Rushdie, de 71 anos, um nova-iorquino, retomou uma vida mais ou menos normal, enquanto defende a sátira e a irreverência em seus livros.

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