EX AFRICA/ Centro Cultural Banco do Brasil, SP/ Até 16/7

Quinze anos depois de um de seus maiores sucessos de público — a exposição “Arte da África” —, o CCBB volta a abordar a produção artística do continente na mostra “Ex Africa”, com cerca de 90 obras de 20 artistas contemporâneos de oito países africanos. O lapso de tempo entre os dois eventos é sintomático da insuficiente atenção que instituições brasileiras dedicam às expressões de um continente visceralmente relacionado à história e a atualidade de nosso país. 130 anos após a abolição da escravatura, a África volta ao Brasil em movimentos migratórios significativos.

“Ex Africa” conta com artistas e trabalhos de imensa qualidade. Mas um problema que surge ao se tentar suprir lacunas históricas é a vontade de abarcar um continente inteiro em uma exposição. Se o intuito é a busca de uma identidade comum entre povos, elos mais fortes poderiam se estabelecer na abordagem de temas como migração, cidades, superpopulação, desemprego ou educação, do que buscando um alinhamento geográfico.

Há uma eternidade entre os acontecimentos ocorridos em países árabes após a Primavera Árabe, abordados na instalação “Maqam” (2017), do egípcio Youssef Limoud, e o setor da exposição denominado “Clube Lagos”, que aborda a música popular nigeriana. Enquanto Limoud interessa-se pela destruição resultante de processos de violência social, criando um espaço que se assemelha a um sitio arqueológico de ruínas civilizatórias; a produção de videoclipes da megacidade de Lagos — metrópole que mais cresce hoje no mundo, a uma taxa de 2 mil pessoas por dia —, expõe o teor sexista da cultura musical pós afrobeat, que relega papel secundário à mulher.

Se um dos intuitos de “Ex Africa” é reverberar ecos da história africana no Brasil — e, para isso, inclui os brasileiros Arjan Martins e Dalton Paula —, caberia então, junto à estética-ostentação de Lagos, ouvir a voz pós-feminista de brasileiros como Pablo Vitar, Anita ou Rosa Luz. Atente-se também ao fato de que, entre os 20 artistas selecionados pelo curador Alfons Hug, há apenas uma mulher.

Mas a exposição é feliz em sua seleção de obras que tocam nas questões de migrações, pós-colonialismo e escavações do passado. O vídeo “Concrete Affection” (2014), do angolano Kiluanji Kia Henda, é um sensível registro da cidade de Luanda, baseado em relato poético dos últimos dias da cidade como colônia portuguesa.

E a instalação “Non Orientable Paradise Lost” (1667-2017), criada pelo artista ganês Ibrahim Mahama para a mostra, com materiais recolhidos de trabalhadores informais das ruas das cidades brasileiras, é uma metáfora da devastação das metrópoles de países que tiveram seu desenvolvimento interrompido por guerras, ditaduras, corrupção e por uma desigualdade social sustentada pela economia global.

Roteiros

Ismaïl Bahri: O caminho se faz ao andar

TÃO LONGE TÃO PERTO “Desenlace” (2011), de Ismaïl Bahri, é um deslocamento do fundo ao primeiro plano (Crédito:Divulgação)

INSTRUMENTOS – Ismaïl Bahri/ Espaço Cultural Porto Seguro, SP/ até 22/7

O trabalho do franco-tunisiano Ismaïl Bahri se aproxima de uma prática do documentário brasileiro contemporâneo definido pela teórica e documentarista Consuelo Lins como “filme-dispositivo”. O termo se refere aos filmes que prescindem de roteiro em favor de estratégias de filmagem que não têm por função refletir uma realidade pré-existente, nem obedecer a um argumento construído antes. A realidade não existe de antemão nos trabalhos que Bahri apresenta na mostra “Instrumentos” no Espaço Cultural Porto Seguro em São Paulo. Nas nove videoinstalações que compõem a exposição, os acontecimentos se formam no instante da filmagem, são diretamente influenciados pelos instrumentos construídos pelo artista e imediatamente provocados pela movimentação de seu corpo e de seu olhar.

Os instrumentos de Ismaïl Bahri são objetos simples engajados em tarefas elementares: um copo com tinta preta que faz as vezes de lente de observação do mundo; um novelo de lã usado para medir a distâncias entre um corpo e a câmera que o filma; um papel que é continuamente amassado e desamassado; uma gota d’água pousada sobre uma veia mede a temporalidade de um corpo.

Os roteiros dos filmes de Bahri fazem-se no ato, numa espécie de eco do poema de Antonio Machado:
“Caminante, no hay caminho, se hace caminho al andar”. O vídeo “Orientações” é um plano-sequência de câmera subjetiva que registra a mão do artista segurando um copo cheio de tinta, ao longo de uma caminhada pelas ruas. O objeto funciona como uma lente que reflete, enfoca e desfoca a realidade ao redor, mas também como uma bússola que orienta o caminho. O pensamento, ou roteiro, se faz no caminhar.

No vídeo “Reverso/Inverso/Avesso”, mãos que amassam uma página de revista são convertidas em instrumentos de decomposição de imagens. “Cinco minutos é o tempo de desconstruir uma imagem”, diz Bahri à ISTOÉ. “A página perde a imagem e se confunde com a pele que a manuseia. Este trabalho fala sobre sermos afetados pelas imagens que nos cercam e sobre o ato de afetá-las”.

O vídeo que Bahri considera o mais importante da mostra, “Lareira/Foco”, é (quase) totalmente branco. Formado apenas por manchas produzidas pelo vento que agita um papel branco pregado à lente da câmera e pelo áudio das indagações e reflexões que o trabalho suscita nos transeuntes dos lugares por onde ele passa.

Na atual “era da imagem”, em que bilhões de fotos são publicadas e esquecidas diariamente na internet, instrumentos criados para filmar o vento ou para converter imagens em pó são gestos políticos. PA