Apesar de recentemente desvalorizado por uma certa onda de mediocridade que viu na universidade um demônio, muito se tem escrito sobre a importância e o valor do Ensino Superior. Tem sido mais um campo de ideias erradas que se popularizaram, levando muitos jovens a não desejar estudar – afinal uma população culta e bem formada é a abominação de quem quer manter o nível social e cultural na mediocridade.
Todos sabemos que quem conseguiu fazer um curso superior tem maiores chances de ter um bom emprego, de ter mais e melhores oportunidades. Todos os estudos dizem que, em média, quem se formou, ganha mais que quem não se formou. Trata-se de uma verdade tão clara que custa a crer que haja quem acredite no oposto.
Mas a melhor “prova” tem-na quem tem o privilégio de viver diretamente o contentamento de quem sonhou e conseguiu alcançar o que tantas vezes julgou impossível. Num país marcado por um analfabetismo ainda significativo e onde todos os índices de educação são baixos, é uma alegria única, quase indescritível, quando percebemos que por trás de um diploma está uma história de vida que, na maioria das situações, não conduziria a um “final feliz”. Mas, contra todas as dificuldades, os resultados escolares foram atingidos e diplomaram-se.
Dirigir academicamente um grupo de Instituições de Ensino Superior tem esse peso, essa quase mácula que uma parte da sociedade criou e que desvalorizou o estudo. Mas, ao mesmo tempo, tem momentos únicos como a Colação de Grau onde somos surpreendidos por emoções, por risos e por choros que são a matéria mais pura da concretização dos sonhos.
Na última Colação a que tive a honra de presidir no Ensino Lusófona – Brasil, na Faculdade Lusófona de São Paulo, dois casos me emocionaram. O do Evaristo e o da Silvana, dois lutadores que merecem o foco da luz dos holofotes. Em idade já pouco provável, com contextos familiares altamente exigentes, vindos de quadros de pobreza tão comuns no Brasil, estes dois estudantes viram no Ensino Superior a afirmação das suas capacidades.
“Muitas vezes não tinha dinheiro para ir para a escola”, diz Evaristo Lopes sobre a sua infância. Já com mais de sessenta anos de idade, Evaristo é agora recém-formado em Direito. Com uma família marcada pela dor e pela doença, até durante os anos em que fez o curso. Evaristo desde muito cedo se habituou a ter pouco, a viver com o possível. A sua mãe, falecida já durante a parte final da concretização deste seu sonho, foi a sua companhia e incentivo constante.
Com uma história diferente, mas recheada da mesma dor, Silvana Leandro, de 49 anos, diz-nos: “comecei a trabalhar aos nove anos devido ao falecimento do meu pai; havia a necessidade de eu ajudar financeiramente para a criação das minhas quatro irmãs”. Ironias da vida, “como a história se repete, sou mãe de família, responsável por cinco filhos que criei e eduquei sozinha”. Diarista, estudava até às 3 ou 4 horas da madrugada. Poucas horas depois, antes de ir trabalhar, já deixava a comida para os filhos.
Numa corrida tremenda, num curso de cinco anos letivos, o desalento e o desespero muitas vezes tomaram conta do pensamento da Silvana: “muitas vezes eu chorava porque acreditava que não conseguiria concluir o sonhado curso”. Reforçando a dor que muitas vezes tomava conta do seu ânimo, Evaristo afirma que “em vários momentos quis desistir, chorei muitas vezes sozinho, não queria demonstrar fraqueza perante as pessoas, mas estou de pé”.
O Ensino Superior não pode ser sistematicamente dor. Mas foi-o para estes nossos amigos. Mas essa dor foi superada pela vontade de vencer, de ultrapassar os obstáculos e afirmar: estou aqui, terminei, consegui. Fui eu.
Abrem-se agora novas perspetivas. Terminar o curso é apenas o primeiro passo. Mas é um passo de libertação das amarras de uma espiral de pobreza e de inevitabilidade. Não é garantido que quem faça um curso superior venha a ser vitorioso em tudo na vida, muito menos que venha a ter excelentes empregos, mas é garantido que abriu os seus horizontes e que adquiriu ferramentas para melhor lidar com os desafios.
A graduação, ou a licenciatura, é a alforria em termos de literacia. É condição para uma liberdade que pode ser usufruída, que pode ser parte de um caminho de satisfação, de reconhecimento e de autoestima. É uma valorização que apenas acrescenta, que sempre valoriza e nos faculta oportunidades.
Parabéns à Silvana e ao Evaristo por serem exemplo de quem não se deixa ficar, de quem não se deixa derrotar, de quem quer sempre mais, contra tudo e contra todos.
Obrigado!