Não somos nem precisamos ser gênios em matemática para enxergar o óbvio. Por exemplo: sabemos que chega a cem ou milhares a divisão do número de brasileiros que compõem os dez por cento mais pobres pelo conjunto dos dez por cento mais ricos. E que os outros oitenta por cento se distribuem em dezenas de camadas rarefeitas, sem um perfil ou ocupação definido, com um nível de renda familiar também bastante baixo. Tempos atrás, a esquerda adorava dar nomes a esses dois conjuntos. Aos dez por cento de cima ela denominava “elite”. Esquecia-se de que, no mundo atual, esse termo perdeu sua conotação aristocrática e passou a significar praticamente o contrário. Elite, hoje, é gente que dedica parte de seus recursos à promoção do bem comum, valorizando a educação ou promovendo iniciativas úteis a toda a sociedade.

Os dez por cento de baixo, à esquerda, o clero e outros grupos médios designavam como “excluídos” – boa designação, pois, de fato, tais grupos tinham certa compaixão pelos miseráveis, mas só os conheciam de longe. Não gostavam nem viam utilidade em se aproximar das periferias ou em viajar pelos cafundós do interior desse nosso triste País. Quando queriam saber alguma coisa, liam as pesquisas de opinião, que lhes diziam o que já sabiam de antemão, ou seja, que muitos eram tão pobres que catavam na rua restos de comida ou ossos para a sopa da noite.

Pedir dinheiro àqueles que saem para o trabalho às cinco e meia da manhã, ou que exercem alguma pressão sobre os poderes públicos é pura demagogia

Suponhamos que essa gente – estou ainda falando das camadas médias – tivesse uma compreensão um pouco melhor de nossa vida política, esse termo que sempre ouvimos ou enunciamos com uma raiva irrefreável. Se deixassem a raiva um pouco de lado e refletisse sobre essa expressão – vida política –, constataria que uma parte da camada a que pertencem – digamos os vinte ou trinta por cento seguintes na escala decrescente de renda – podem se comportar como uma elite, no mínimo fornecendo exemplos positivos ou, melhor ainda, valendo-se de seus recursos para tentar melhorar alguma coisa.

A palavra-chave aqui é recursos. Apelar aos miseráveis que saem para o trabalho às cinco e meia da manhã, ou que exerçam alguma pressão sobre os poderes públicos é pura demagogia. Mas os vinte ou trinta por cento na escala descendente têm algum tempo livre, e o tempo é um recurso valioso. Com tempo, podem se reunir com outros interessados e discutir o que leram no jornal, o que lhes parece certo ou errado, e por esse caminho, gradualmente, balizar as atitudes dos candidatos a cargos públicos, dizendo-lhes o que acham certo ou errado.