Quando ainda era presidente do banco Itaú, Roberto Setúbal foi até o dono da Cyrela, Elie Horn, tratar da compra de um apartamento onde pretendia morar com a família. O ano era 1993. Naquele primeiro encontro, os dois homens de negócios não conseguiram chegar a um acordo sobre o valor do imóvel. Setúbal achou caro, mas Horn não baixou o preço. Sem trato feito, ficaram de retomar a negociação dali uns dias.

No novo encontro, Horn fez uma proposta inusitada: “Roberto, me pague o quiser. E a diferença você doa para a caridade, para uma causa da sua escolha.” O presidente do Itaú aceitou, assinou a compra do apartamento e depois mandou o comprovante dos cheques usados na doação.

A passagem faz parte do livro “Tijolos do Bem”, que está sendo lançado oficialmente nesta segunda-feira, 1º de julho, pela editora Sêfer. A obra narra a trajetória de vida de Horn, que está prestes a completar 80 anos, e tem como principal objetivo incentivar os leitores a praticar a doação para os necessitados.

“Neste livro não veremos simplesmente a história de um empresário de sucesso. Aqui estão descritos o sentir e o pensar desse homem, uma pessoa dedicada à filantropia”, escreve Setúbal, no prefácio.

O livro foi escrito por Sarita Mucinic Sarue, colega da comunidade judaica, a partir de mais de uma centena de depoimentos e reflexões colhidas em conversas com Horn ao longo dos últimos quatro anos.

Nas vésperas do lançamento, Horn recebeu jornalistas em sua casa, uma mansão em bairro nobre paulistano, com mobília sóbria e fartamente decorada com orquídeas roxas e amarelas. Horn recebeu os convidados gentilmente, sentado na cabeceira de uma longa mesa de madeira.

Ali entoou o mantra que vem repetindo há anos, desde que deixou o dia a dia da Cyrela para se dedicar integralmente à filantropia: “A essência da vida é fazer o bem. E o que é o bem? É um beijo, um abraço, uma ajuda a uma creche, um hospital, uma pessoa pobre”, diz. “Resolvi escrever o livro para mostrar alguns desses exemplos”.

Bilionário, Horn assumiu o compromisso de doar 60% da sua fortuna, começando ainda em vida. Dado o grande volume de dinheiro envolvido, a iniciativa exige o trabalho de um time com cerca de 20 a 25 funcionários atuando na escolha de projetos, logística dos repasses e governança. A palavra final na hora das escolhas é de Horn.

Entre os projetos que apoia está o Instituto Liberta, comandado por Luciana Temer e voltado a combater a exploração sexual de meninas. Em outro flanco, ajuda a Escola de Dança Fernanda Bianchini, que ensina balé a crianças cegas.

Horn também é parte do Movimento Bem Maior, que conta com os empresários Rubens Menin (MRV), Eugênio Mattar (Localiza) e o apresentador Luciano Huck. O intuito ali é incentivar a classe empresarial a fazer doações. Já no projeto mais recente, Horn está reunindo um grupo ainda maior de empresários para fazer caridade e que será divulgado em breve.

Horn acredita que a disposição da classe empresarial para fazer doações ainda é tímida, mas vem aumentando. “Nunca é demais. Sempre tem coisas para se fazer”, observa. Questionado sobre a proposta de taxação de grandes fortunas, diz ser a favor. “Tem que ter, desde que o dinheiro vá para causas sociais. O que não pode é jogar o dinheiro fora.”

O dono da Cyrela conta que voltou atrás várias vezes na sua decisão de lançar o livro porque sentia vergonha. “Tinha vergonha de ser um livro sem conteúdo, sem sucesso, parecer autopromoção”, conta. A decisão de levar o livro adiante teve o incentivo da família e da escritora, e foi uma forma de engajar mais pessoas nas causas sociais. “O que eu espero com esse livro é que o bem se transmita”. Na abertura, dedica o livro aos seus bisnetos, trinetos e tataranetos “a quem não irá conhecer”.

O livro traz várias passagens da vida pessoal de Horn, nascido em Alepo, na Síria, em julho de 1944. Uma das histórias apontadas pelo narrador como das mais marcantes foi a falência do pai – dono de lojas de tecidos – e a batida da polícia em sua casa para prender o pai e os irmãos mais velhos. Na ocasião, acabaram levando todos os móveis em garantia, e a família ficou sem nada. Segundo Horn, esse foi um trauma em sua vida.

Mais tarde, a família migrou para a Itália e depois para o Brasil, o pai se reergueu com ajuda do marido de uma das filhas, voltou a empreender e pagou credores. Ali ficou evidente como é importante contar com uma rede de apoio, segundo Horn. O pai, inclusive, doou 100% do patrimônio a causas sociais após sua morte.

“O dinheiro corrompe o ser humano quando não se faz bom uso dele. O dinheiro pode ser maldito, quando mal direcionado, ou bendito se ajudar alguém a não morrer de fome”, narra, no livro. A obra antecipa até o que o empresário quer que esteja escrito em sua lápide: “Esse homem tentou fazer o bem”.