20/09/2019 - 10:14
Das ilhas do Pacífico ao delta do rio Ganges, milhões de pessoas correm o risco de serem expulsas de suas casas pela elevação do nível dos mares e oceanos. Uma fuga sem esperança de retorno para “refugiados climáticos”, que deverão encontrar um país de acolhida.
Ainda que o mundo consiga limitar o aquecimento do planeta a +2°C em relação à era pré-industrial, o aumento do nível dos mares e oceanos pode submergir os lares de 280 milhões de pessoas, alerta um projeto de relatório dos especialistas em clima da ONU, obtido em agosto pela AFP.
Mesmo no cenário de +2°C, as calotas glaciais vão continuar derretendo e, ainda que os cientistas não saibam quanto tempo isso vai levar, em longo prazo isso significa “mais de 4,5 metros de elevação do nível do mar, provavelmente seis metros”, explicou à AFP o diretor do instituto de pesquisa Climate Central, Ben Strauss.
“É suficiente para apagar do mapa a maioria das cidades costeiras”, completa o pesquisador que, em um estudo publicado em 2015, já havia apontado o número de 280 milhões.
Segundo os pesquisadores, uma parte importante da população das grandes cidades ficaria debaixo d’água. Entre elas, Hong Kong (31%), Xangai (39%), Mumbai (27%), Calcutá (24%), Amsterdã (92%), Bangcoc (42%) e Miami (43%).
Onde for técnica e financeiramente possível, algumas obras podem ser feitas para evitar a submersão. Nova York, por exemplo, prevê um investimento de pelo menos US$ 20 bilhões para se proteger.
“Diques cada vez mais altos devem ser construídos”, mas “queremos viver no fundo de uma bacia? E com qual profundidade?”, lança Ben Strauss.
“Em caso de megatempestade, ou se alguém colocar uma bomba… Quanto mais profunda for a bacia, mais rápido ela se enche”, afirmou.
De qualquer maneira, algumas comunidades, em especial nas regiões polares, correm o risco de “atingir os limites de adaptação bem antes do fim do século”, e alguns Estados insulares poderão ficar “inabitáveis”, aponta o projeto de relatório da ONU que será analisado em Mônaco a partir de sexta-feira.
– Proteger ou sacrificar –
Esta última previsão pode se realizar muito rapidamente. Segundo um estudo publicado em 2018 na revista “Science Advances”, a maioria dos milhares de atóis tropicais será inabitável até 2050. Não porque terão desaparecido sob as águas – o que não deve acontecer antes de 2100, ou 2150, – mas porque a frequência das inundações marinhas provocará a contaminação da água potável.
Diante desse futuro sombrio, “muitos governos dos pequenos Estados insulares foram tomados por um dilema”, observa François Gemenne, especialista em Geopolítica do Meio Ambiente na Universidade de Liège.
“Pode parecer uma boa estratégia negociar acordos de migração”, explica ele à AFP. Mas “eles consideram que isso significaria baixar as armas frente à mudança climática”, completa.
Em todos os casos, das pequenas ilhas pouco povoadas às grandes metrópoles costeiras, esta “redistribuição de uma parte da população mundial” deve ser “organizada”, “em várias gerações”, afirma o pesquisador.
“O pior seria esperar até o último minuto e ser obrigado a iniciar operações humanitárias para realocar, de urgência, essas populações, sem que elas tenham podido decidir, ou refazer suas vidas em outro lugar”, advertiu.
E, mesmo que estes movimentos populacionais devam ser, sobretudo, internos, segundo os especialistas, isso não se dará sem dificuldades.
Quais populações proteger? Quais populações deslocar, como e com quais compensações? Para alguns governos, “as populações mais desfavorecidas não serão, necessariamente, aquelas no topo da lista. Imaginem as tensões que as escolhas entre quem proteger e quem sacrificar vão provocar”, antecipa François Gemenne.
O nível do mar não é mais o único efeito do aquecimento global a contribuir para tirar as pessoas de seus territórios.
Segundo o Observatório das Situações de Deslocamento Interno (IDMC), 16 milhões de pessoas foram deslocadas em 2018 por eventos meteorológicos extremos.
A mudança climática se tornou um “motor de migração”, deixando o Banco Mundial em alerta no último ano. De acordo com a instituição, 143 milhões de “migrantes climáticos” devem surgir até 2050.
Se, para alguns, existirá a esperança de voltar para casa um dia, para outros, encurralados pela elevação no nível das águas, “serão migrações sem retorno possível”, insistiu Gemenne.