Em 2018, uma onda conservadora levou o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro à presidência da República – e, no rastro da força daquele movimento, dezenas de agentes de segurança pública conseguiram chegar aos Legislativos estaduais e à Câmara dos Deputados. Passados quatro anos, segue em alta o interesse de integrantes das Polícias Militares e das Forças Armadas pela carreira política. Somente nos dois maiores colégios eleitorais do País, 171 policiais militares se desincompatibilizaram dos seus cargos para disputar as eleições – 80 em São Paulo e 91 no Rio de Janeiro. Quanto às Forças Armadas, pelo menos 86 de seus integrantes vão encarar a batalha pelo voto do eleitor.

FORÇAS ARMADAS General Peternelli (União Brasil) contabilizou as candidaturas dos colegas de farda oliva. Chegou a um total de 86 (Crédito:Divulgação)

O deputado estadual Coronel Telhada (PP) trabalha com um número ainda maior: ele estima que 150 policiais da reserva e da ativa da PM de São Paulo vão disputar as eleições – e demonstra uma certa preocupação com essa alta procura. “Pode haver uma pulverização dos votos, e pessoas que teriam condições de se eleger não vão conseguir porque é muita gente disputando o um mesmo eleitorado”, explica. “É um direito, as pessoas podem se candidatar, mas muitas vêm iludidas, acham que é fácil, que a política oferece melhores condições de trabalho, mas é um serviço como qualquer outro”. Terminando seu segundo mandato no Legislativo paulista, o coronel agora almeja uma vaga na Câmara dos Deputados. “Acho que a legislação penal precisa de uma reavaliação”, diz. “Também pretendo atuar no apoio e proteção aos direitos dos CACs (Colecionadores, atiradores esportivos e caçadores)”.

EM FAMÍLIA De olho na Câmara, o Coronel Telhada abre caminho para
o filho, que tenta uma vaga de deputado estadual (Crédito:Fernanda Telhada)

Enquanto articula sua candidatura a deputado federal, Coronel Telhada trabalha para abrir caminho na política para o filho, Capitão Telhada (PL), que vai disputar uma vaga no Legislativo paulista. Em comum, além do sobrenome, da carreira militar e do gosto pela política, os dois criticam o projeto de lei já aprovado na Câmara e agora sob análise no Senado que institui uma quarentena de cinco anos para militares, policiais, promotores e juízes que queiram disputar cargos eletivos. “Acho uma afronta aos direitos humanos do policial militar”, diz Telhada pai. “É um absurdo, até condenado que sai da cadeia pode se candidatar, e policial não vai poder?”, indigna-se Telhada filho. “Nos coloca como cidadãos de segunda categoria, numa clara manobra para afastar do pleito eleitoral pessoas que traçam uma jornada ética e moral dentro de suas carreiras”, diz. Também contrário à quarentena para militares, o deputado federal Capitão Derrite (PL) acredita que a medida limita o direito de representatividade da categoria, cujos quadros têm muito a oferecer para a sociedade em razão de sua formação. “Nós somos pautados em valores militares, aprendemos com o passado para a construção do futuro e temos o conservadorismo como base da nossa formação. Movimentos de esquerda não são condizentes com nossa conduta”.

No caso das Forças Armadas e das polícias, o objetivo da quarentena é evitar a politização das forças de segurança, que devem ser de Estado, e não de governo. A expressiva presença de agentes de corporações militares na política, tal como observada no Brasil, não é comum em outros países. “Os direitos políticos dos militares brasileiros são bastante flexíveis se comparados ao que ocorre na América do Norte e na Europa em geral”, diz a cientista política Fábia Berlatto, diretora e pesquisadora da Múnus Social Data. Fábia, que é pós-doutoranda em Administração Pública e Governo pela FGV, conduziu um amplo estudo, publicado em 2016, sobre o perfil dos candidatos das forças repressivas para a Câmara dos Deputados. “Uma quarentena longa é essencial para estabelecer uma divisão clara entre polícia e política”, avalia. Ela pondera ainda que o forte vínculo orgânico estabelecido entre os agentes de segurança funciona muito bem em estratégias eleitoreiras – mas sem necessariamente resultar em melhorias efetivas, tanto na área da segurança pública quanto nas condições de trabalho da categoria.

Enquanto o Congresso não bate o martelo sobre a quarentena para militares, integrantes dessas forças seguem nas articulações para ampliar sua presença na vida política do País. Entusiasta da candidatura de militares das Forças Armadas, o deputado federal General Peternelli (União Brasil), da Bancada do Tanque na Câmara, contabilizou as candidaturas dos colegas de farda oliva em todo o País. São 86 – incluídos Jair Bolsonaro e seu vice, Walter Braga Neto (PL), respectivamente capitão e general da reserva. Outros três vão disputar governos estaduais, entre os quais Tarcísio de Freitas, em São Paulo. Dois serão candidatos ao Senado – um deles é o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), pelo Rio Grande do Sul. Outros 36 serão candidatos a deputado federal, 16 a deputado estadual e quatro a deputado distrital.