Reza a Bíblia que a chegada de Jesus Cristo em Jerusalém, uma semana antes de ser crucificado, foi triunfal. Por essa razão, historiadores do cristianismo, também com base na Bíblia, relatam que essa chegada do Messias à Terra Santa provocou temores ao Império Romano que, segundo as sagradas escrituras, enxergava em Jesus alguém perigoso. Não somente um líder religioso, mas também um adversário político. Em vários trechos da Bíblia, Jesus esforça-se para desvencilhar-se de qualquer ligação entre política e sua pregação. Hoje, quase 2 mil anos depois, a ascensão da bancada da Bíblia no Congresso Nacional demonstra que essa aproximação entre fé e política está mais latente do que nunca. Com a ascensão de Jair Bolsonaro (PSL), a Frente Parlamentar Evangélica, unida aos católicos conservadores, ganhou poder inédito na história da democracia brasileira, nomeando e desnomeando ministros.

O poder da bancada da Bíblia vem do fato de a população nunca ter eleito tantos parlamentares como em 2018. Para 2019, a bancada terá 90 congressistas somente evangélicos. Mas esse número tende a ser ainda maior, após a posse dos parlamentares. Bolsonaro, que se declarava católico, parece ter mudado de orientação religiosa. Sua mulher, Michelle, é evangélica. E ele mesmo chegou a ser batizado no rio Jordão, em Israel, pelo pastor Everaldo, que já foi candidato a presidente pelo PSC. Como deputado, ele integrava a Frente Parlamentar Evangélica. A linha de pensamento de Bolsonaro e do novo governo integra os evangélicos a seguidores cristãos mais conservadores, na chamada “Bancada da Bíblia”. Juntos, eles chegam a aproximadamente 180 nomes, quase um terço do Congresso Nacional.

A força dos religiosos não é apenas numérica. O grupo interferiu diretamente na escolha do novo ministro da Educação. Primeiro, vetando o nome do diretor do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves, para o ministério. E, depois, impondo o nome do educador conservador para o cargo, Ricardo Vélez Rodriguez. Mas, no âmbito do Executivo, o grupo não pretende parar por aí. Está sendo formatado um novo Ministério, o da Cidadania, que unirá as atribuições dos atuais Ministérios do Desenvolvimento Social e dos Direitos Humanos. Bolsonaro fundiu as duas pastas e entregou-as a Osmar Terra (MDB-RS), evangélico e que já foi ministro de Temer.

Presidência da Câmara

“A nossa bancada vem ganhando credibilidade pela sua atuação na Casa, e isso fez com que crescêssemos nas eleições deste ano. Isso é fruto também do crescimento do pensamento conversador junto à sociedade brasileira”, analisa o deputado João Campos (PRB-GO), um dos representantes da bancada evangélica e nome que o grupo cogita levar para a disputa da Presidência da Câmara, no ano que vem. Bolsonaro não pretende interferir diretamente na disputa, mas está longe de desagradá-lo ter um evangélico no comando da Câmara.

Se há alguns anos os evangélicos queriam apenas se contrapor a pautas consideradas progressistas, como a legalização da união homoafetiva ou a formatação de um material anti-homofobia nas escolas (a que chamaram de Kit Gay), agora a intenção é fazer avançar no Congresso uma agenda conservadora, que confronte as propostas do PT. Temas como “casamento gay”, “escola sem partido”, “ideologia de gênero” e “Estatuto da Família” devem ser amplamente debatidos e a intenção da Frente Evangélica é ultrapassar a mera discussão e partir para a aprovação dessa agenda. A bancada evangélica pretende, a partir do ano que vem, aprovar projetos como o do Estatuto da Família, que quer conceituar como núcleo familiar apenas aqueles formados por um homem e uma mulher. “Vejo o avanço dessa bancada com bastante preocupação. Pois eles têm uma postura cruzadista, fundamentalista e dogmática”, critica o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ). Integrantes da esquerda admitem que será difícil brecar projetos de interesse da Bancada da Bíblia. Afinal, o grupo tem um consistente projeto de poder e pretende estabelecer nos próximos anos novos paradigmas para o País, principalmente na área de costumes.