A gritaria petista há tempos ultrapassa os limites da legalidade. Com a derrota do recurso contra a condenação de Lula, ganharam volume e intensidade as ameaças e incitações públicas à desobediência civil e descumprimento das leis. O objetivo primeiro é pressionar e constranger os ministros dos tribunais superiores para que o ex-presidente tenha a inscrição de sua candidatura aceita na Justiça Eleitoral, mesmo após a confirmação de sua condenação em segunda instância. O próprio Lula afirma publicamente não reconhecer o veredito do TRF-4, para o regozijo da claque petista. “Nós vivemos um momento de uma ditadura de uma parcela do Poder Judiciário, sobretudo o Poder Judiciário que cuida de uma coisa chamada Operação Lava Jato”, afirmou em vídeo gravado para participantes de uma conferência da União Africana e das Nações Unidas, na Etiópia, para onde viajaria antes de ter seu passaporte confiscado por ordem da Justiça. Um dia após a derrota de seu recurso, em reunião da Executiva Nacional do PT, Lula fez de conta que a Lei da Ficha Limpa não existe e lançou sua pré-candidatura: “Esse ser humano simpático que está falando com vocês não tem nenhuma razão para respeitar a decisão de ontem”.

O desrespeito à condenação de Lula em segunda instância foi reforçado pelo discurso da presidente do PT, Gleisi Hoffmann: “Se pensam que a história termina com a decisão desta quarta, estão muito enganados, porque não nos rendemos diante da injustiça”, afirmou a senadora petista em nota oficial. O senador Lindbergh Farias (RJ) foi além, convocando baderneiros à desordem: “Só temos um caminho, que são as ruas, as mobilizações, rebelião cidadã, desobediência civil”, afirmou. O tom do deputado federal Wadih Damous (RJ) se revelou ainda mais grave: “Não é uma turma de tribunal, mas sim um pelotão de fuzilamento fascista. Essa decisão é ilegal e imoral e não merece respeito. Será repudiada pelo povo brasileiro”, afirmou, empurrando para os magistrados qualquer responsabilidade sobre as consequências de sua conclamação à desobediência: “Eles jogaram fogo no País, não cabe a nós o comportamento de bombeiros”.

Os radicais dos movimentos sociais seguem no mesmo ritmo. “Não vão prender porra nenhuma. E nós vamos pra cima”, ameaçou Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), após o julgamento. João Pedro Stédile, do MST, não reconhece a lei: “Não pensem que vocês [o Judiciário] mandam no País”.

Crime

Desobedecer a ordem legal de funcionário público é crime previsto com pena de detenção de 15 dias a seis meses e multa, conforme prevê o artigo 330 do Código Penal. Para a professora de processo penal do IDP-SP Fernanda de Almeida Carneiro, nem mesmo os parlamentares estão acima da lei. “Imunidade parlamentar não é absoluta. Não dá para falar o que bem se quiser e achar que está tudo bem”, diz. As afrontas de Lindbergh e Gleisi já apresentam elementos para uma investigação no STF. Bastaria um ministro ou político entrar com a ação. O risco estaria em dar munição a quem já se diz perseguido. Carneiro cita um caso em que o foro privilegiado foi derrubado. Em 2014, o deputado Jair Bolsonaro (então no PP-RJ) agrediu a parlamentar Maria do Rosário (PT-RS), afirmando que ela não merecia ser estuprada por ser “muito feia” e não fazer seu tipo. O STF entendeu que houve incitação ao estupro e crime contra a honra. A imunidade foi derrubada, Bolsonaro derrotado na primeira instância e o STJ já determinou pagamento de multa.

O PT exerce desobediência completa ao Judiciário. É uma estratégia baseada na imunidade de seus políticos eleitos. “Senão, seriam mais cautelosos”, afirma o jurista especializado em combate à corrupção Modesto Carvalhosa. Desobedecer a lei é típico da pregação populista, como ocorre na Venezuela de Hugo Chávez e Nicolás Maduro e aconteceu na Argentina de Menem e dos Kirchner. O rosário de acusações contra o Judiciário segue uma lógica: ignorar os tribunais, detratar acusadores e julgadores, desafiar a ordem e preparar o terreno para uma resistência por meio de tumultos nas ruas na tentativa de transformar um condenado – no caso, Lula – em mártir político antes do início da corrida eleitoral. Dessa forma, tenta-se iludir o eleitor com a crença de que todas as acusações e sentenças do Judiciário são orquestrações autoritárias. Carvalhosa alerta que o risco maior às instituições estaria justamente nos recuos e oscilações que tais ações poderiam provocar, enfraquecendo os tribunais em um momento delicado da vida republicana. “Não é o PT que pode ameaçar o País, mas as trapalhadas do Judiciário”, diz Carvalhosa.

A postura beligerante e antidemocrática dos petistas é condenada também por associações de juízes e de procuradores. “O sistema de Justiça tem que ser respeitado. As pessoas que perdem têm que saber perder. Não dá para ser democrático só ganhando”, diz o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira. “Não existe perseguição nenhuma. Atacar a Justiça é atacar a democracia”, observa José Robalinho Cavalcanti, da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “Isso não faz nenhum sentido”, diz o procurador, alertando para um detalhe que descredencia a tese da perseguição política contra líderes do PT: dos onze ministros do STF, sete foram indicados por Lula e Dilma. O argumento é definitivo.