Sobe o pano.

O cenário é um escritório todo branco.

Paredes, quadros, mesas, cadeiras, livros, uma espreguiçadeira, tudo branco.

Deus, de túnica branca, está em sua mesa de trabalho, jogando paciência num computador também branco. Mouse branco. Teclado branco.

São Pedro dá três batidinhas e estica o pescoço para dentro da sala:

Pedro: Tem um minuto, Onipresente?

Deus apenas faz um gesto com a mão autorizando a entrada.

Pedro: Desculpe incomodar a Sua Sagrada paciência, mas é que as chuvas no Rio de Janeiro e São Paulo estão fazendo um estrago danado. Ops! Terrível.

Deus: (sem tirar os olhos do joguinho na tela) E daí?

Pedro: Com o Seu perdão antecipado, gostaria de saber se poderemos diminuir as tempestades.

O Criador dá um tapa na mesa, sinalizando que perdeu o jogo, e volta a atenção para o apóstolo do Filho.

Pedro: É muita chuva mesmo — insiste o santo, meio sem graça pelo descaso do Chefe.

O Altíssimo se ergue, dá a volta na mesa e passa o braço por cima do ombro de São Pedro, já o conduzindo em direção à porta.

Deus: Pedro, acredite em mim: olhando aqui de cima parece uma desgraça, mas o povo lá do Brasil deve estar adorando.

O santo não entende.

Pedro: Como assim, Todo-Poderoso? Aquilo está um horror! Enchentes, desmoronamentos, desabrigados, uma praga dos infer… Uma praga enorme!

O Divino olha sério para seu santo.

Deus: Pedro, você é da Galileia, não entende dessas coisas. Eu sou brasileiro. Conheço bem o meu povo. Eles gostam.

Deus olha pela janela e admira o pôr do sol no Paraíso com certa melancolia.

Deus: Quem olha essa beleza aqui, Pedro, acha lindo. Tudo limpinho, tranquilo, com esquilinhos, só dias de sol e esse monte de anjo tocando flauta. Mas brasileiro não gosta disso, não. Brasileiro gosta é de treta e confusão. De trânsito, de poluição, de desmatamento.

Pedro se assusta com a veemência Divina.

Pedro: Senhor, não fale uma coisa dessas que é até um pecado! — o santo deixa escapar a liberalidade e imediatamente pede perdão.

Deus perdoa com um gesto e continua a olhar o Paraíso pela janela, com certo desapontamento.
Deus: Quer deixar um brasileiro chateado, é só trazê-lo para esse marasmo.

Pedro: Mas, meu Deus, é um povo sofrido, que come o pão que o diab… O pão que o Senhor sabe quem amassou.

Deus: Come e come feliz, Pedro. Brasileiros são diferentes, tô falando. Quer ver? Teve Carnaval?

Pedro: Sim, Eterno, claro! Uma beleza de festa.

Deus: Tá vendo? A gente manda esse dilúvio e o brasileiro nem tchuns. Estão lá, peladões, sambando na rua. Me diz que povo é assim?

Deus ameaça um passo de samba, com certo orgulho de seus conterrâneos.

Pedro: Onipotente, mas não seria hora de recompensarmos esse povo tão lutador?

Deus: Você não entendeu, Pedro? Não tem nada para recompensar. Nós brasileiros somos assim, rapaz! Estamos sempre felizes!

Pedro: Mas Senhor, não é só a chuva. É o dólar subindo, um presidente novinho toda hora fazendo alguma trapalhada, o filho tuitando bobagens, a ministra falando em nome do Senhor. E ainda tem o Queiroz.

Deus: Pedro, relaxa e vai na minha: eles gostam.

Pedro olha para o chão, resignado e sem mais argumentos. Caminha para a porta. Pouco antes de sair
da sala, o Senhor reforça.

Deus: Brasileiro gosta, Pedrão. Manda uns raios que eles gostam. Tô pensando até se não faço chover sapos, só de farra.

Desce o pano.

Com Antônio Fagundes no papel de Deus e Stênio Garcia como São Pedro, peça em um ato desvenda sem perdão tudo isso que tá rolando por aqui