Que isso tudo passe logo! Que possamos voltar a respirar em paz dentro do ambiente democrático no qual nos acostumamos a viver. Talvez nunca a torcida para superarmos uma fase pré-eleitoral como a atual, às vésperas da decisão nas urnas, tenha sido tão grande. E os motivos estão aí, aos olhos arregalados de todos. Um clima de terrorismo no ar, de ameaças, de banditismo explícito, com mortes inconcebíveis por motivações políticas e um mandatário atuando de mentor do caos, incitando ainda mais violência, para tumultuar a arena e tentar assim arrancar um resultado favorável que parece lhe escapar pelas mãos. Como eventuais agentes promotores da insidiosa sensação de insegurança, até alguns militares de alta patente. Orientados pelo capitão, foram para cima do TSE, com uma pressão incessante, buscando tutelar o processo. Nunca, jamais, em períodos democráticos, desde a feitura da nova Constituição, algo parecido ocorreu. Interferência indevida, desnecessária, anacrônica e fora dos preceitos legais que regem o saudável exercício do voto. Tanto fez Jair Bolsonaro que conseguiu o intento de mover parte das Forças Armadas a seu favor. Elas agora querem, trabalham e anunciam a ideia de uma apuração paralela, em tempo real, com o que dizem ser uma “amostragem” de 385 boletins de urna, sob a alegação de garantir, assim, a “confiabilidade”.

Registre-se: em quase 30 anos de funcionamento do sistema nenhum interesse do tipo aconteceu. Até porque não há nos anais qualquer ocorrência de fraude na operação que, em outros momentos e circunstâncias, garantiram os seguidos mandatos parlamentares do próprio presidente, hoje insinuando dúvidas e distribuindo devaneios e conjecturas direto do poder central. E qual a motivação para refazer ou trocar os métodos que vêm funcionando? Mero casuísmo matreiro de alguém que, desde sempre, admitiu não aceitar o eventual resultado desfavorável a ele. Até aí, qualquer cidadão minimamente informado já estava careca de saber das diatribes golpistas do dito Messias. O problema foi quando as FFAA insinuaram a adesão ao seu delírio. Ao menos certos setores graduados da caserna deram esse sinal. O que desponta no horizonte, em se confirmando a mobilização em curso, é uma receita infalível para a baderna. Bastará uma única ressalva a esse ou aquele boletim, por parte dos militares, para servir de base ao argumento fajuto do capitão, que levanta a hipótese de uma eleição fraudada mesmo antes de ela ocorrer. Ao inverso do que sugerem apoiadores da proposta de tutela militar, ela não traz maior transparência. Ao contrário: induz à imprudência, ao clima de desconfiança sem lastro em evidências. A pergunta que não quer calar no caso é quem irá fiscalizar os tais fiscais de farda? Da maneira como é conduzida hoje, a votação não sofre qualquer interferência humana direta. Muito menos está sujeita a hackers ou manipulações digitais, por não possuir link nas redes. As chamadas urnas eletrônicas passaram e seguem passando por intensas e complexas averiguações, auditagens e testes. A segurança foi confirmada por organismos os mais diversos, da Polícia Federal ao Congresso. Restando apenas a espuma de conjecturas e especulações fantasiosas de um capitão com pendores à sabotagem. Como bem descreveram muitos dos seus opositores envolvidos na contenda, o engajamento militar na apuração do resultado iguala o Brasil a republiquetas. É um disparate, indevido e injustificável.

Dilapida a credibilidade nacional perante o mundo, justamente em uma área na qual viramos referência, prejudicando o saudável exercício da liberdade de escolha sem temores de manipulação. Certos fardados forçaram a porta, dando provas de confundirem a missão essencial de servir ao povo brasileiro com a de atender aos caprichos de um presidente. Não está em lugar algum, sequer em pareceres ou interpretações, nem nos artigos, parágrafos e capítulos da Carta Magna, qualquer menção a um suposto conceito de poder moderador para as FFAA. Não existe lei que autorize tal competência. É simplesmente equivocado, inconstitucional e inadmissível propor tamanha tolice e insistir nela não passa de pura chantagem política. Forças Armadas estão aí para zelar pela estabilidade social e não para intimidar ou provocar clima de apreensão com o peso da botina metido em áreas técnicas que não lhes cabem. Devem seguir firmes, respeitosas e cientes de seu papel institucional, compreendendo não ter legitimidade para se imiscuir no processo do sufrágio. A segurança é função basilar nas atribuições que lhes competem, mas nada nesse sentido se assemelha à condição de juiz de urna. Criar uma situação extraordinária em uma disputa polarizada e beligerante, como a atual, atende a interesses inconfessáveis dos arrivistas de plantão.