SÃO PAULO, 23 SET (ANSA) – O resultado das eleições regionais na Itália aprofundou a crise de identidade no antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), dono da maior bancada no Parlamento, e deu início a uma sessão pública de autocrítica para tentar encontrar um novo rumo.   

O M5S viu sua reforma que reduz o número de parlamentares em um terço ser aprovada com quase 70% dos votos, mas não conseguiu ser competitivo em nenhuma das sete regiões que foram às urnas em 20 e 21 de setembro para eleger novos governadores.   

Fundado no fim da década passada, o movimento já conseguiu conquistar cidades como Roma e Turim e chegar ao governo da Itália como partido mais votado do país, porém nunca ficou perto de comandar uma região.   

Historicamente refratário a alianças, o que dificulta sua posição em disputas majoritárias (como para governador), o M5S chegou até a se aliar à centro-esquerda na Ligúria, mas não foi suficiente para incomodar o conservador Giovanni Toti, reeleito com 56,13% dos votos.   

Além da Ligúria, a coalizão de direita venceu em outras duas regiões (Marcas e Vêneto), enquanto a centro-esquerda triunfou em três (Campânia, Puglia e Toscana) – o Vale de Aosta, que também foi às urnas, não tem eleição direta para governador, cuja nomeação depende da composição de forças na assembleia legislativa local.   

Em um vídeo no Facebook, o ex-deputado Alessandro Di Battista, um dos principais expoentes do M5S, afirmou que as regionais de 2020 foram a “maior derrota do movimento” e reconheceu uma “inegável crise de identidade”.   

“A única coisa necessária é fazer os Estados-Gerais o quanto antes, bem organizados e com uma nova agenda para sair do escuro”, disse. Já a ex-ministra para o Sul e senadora Barbara Lezzi foi mais longe e disse ao Corriere della Serra que o M5S corre o risco de desaparecer.   

“É preciso admitir, [o voto] foi um desastre. Perdemos em todos os lugares, e de muito. Os 70% que votaram ‘sim’ no referendo não votaram em nós”, declarou. O presidente da Câmara dos Deputados, Roberto Fico, outro expoente do M5S, foi menos alarmista, mas reconheceu que o partido precisa se “organizar melhor, partindo das cidades”.   

“Devemos fazer assembleias para encontrar uma nova identidade para um período difícil para o país”, afirmou.   

Do auge à queda – Em 3 de março de 2018, com menos de 10 anos de existência, o M5S havia furado a polarização esquerda-direita na Itália e alcançado 32% dos votos, tornando-se o primeiro partido antissistema a vencer eleições nacionais em uma das grandes democracias do Ocidente.   

Ironicamente, foi essa vitória histórica que deu início à crise no movimento. Em 1º de junho de 2018, o partido assumiu o governo da Itália em uma coalizão com a legenda de extrema direita Liga, prometendo uma “nova era”.   

Com o jurista Giuseppe Conte como primeiro-ministro, Luigi Di Maio (M5S) e Matteo Salvini (Liga) dividiram o cargo de vice-premiê, mas o segundo, com sua política antimigrantes, logo virou o principal rosto do governo.   

A supremacia de Salvini e a aliança com a ultradireita afastaram aqueles eleitores progressistas que viam no M5S o surgimento de uma nova esquerda e provocaram questionamentos internos, além de algumas cisões – o senador e ex-oficial da Capitania dos Portos Gregorio De Falco, herói nacional por sua atuação no naufrágio do navio Costa Concordia, foi expulso do partido por votar contra as políticas migratórias de Salvini, as mesmas que agora o movimento trabalha para reformular.   

Em agosto de 2019, a Liga rompeu a coalizão para tentar forçar a convocação de eleições antecipadas, mas o M5S deu uma guinada inesperada e se aliou a seu maior inimigo até então, o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda.   

A nova coligação afastou parte daqueles eleitores que haviam se aproximado do movimento por causa de seu discurso antissistema e eurocético e que preferiam a parceria com Salvini. O partido ainda tem a maior bancada no Parlamento, mas os resultados frustrantes nas eleições regionais indicam sua desidratação.   

As últimas pesquisas colocam o M5S em quarto lugar na preferência do eleitorado, atrás da Liga e do PD, os dois partidos com quem se aliou nos últimos dois anos, e da legenda de extrema direita Irmãos da Itália (FdI), em ascensão no espectro conservador no país. (ANSA).