A partir desta terça-feira (27) nenhum eleitor pode ser preso ou detido. A norma está prevista no artigo 236 do Código Eleitoral, que estabelece algumas exceções como em casos de prisões em flagrante e prisões determinadas após sentenças judiciais por crimes inafiançáveis – como racismo, terrorismo, tráfico de drogas e crimes hediondos.
Segundo o Código Eleitoral, a “imunidade” aos eleitores começa a valer 5 dias antes das eleições e termina 48 horas após o fechamento das urnas. O texto também prevê os mesmos direitos aos candidatos, no entanto, para eles a regra já está valendo desde o último dia 17.
Criada em 1932, a medida tem como principal objetivo evitar detenções direcionadas para impedir pessoas de votarem em determinados candidatos. No caso dos candidatos, a regra busca evitar abusos que comprometam o processo eleitoral, como perseguições políticas, prisão de candidatos para afastá-los da campanha ou para criar um fato político com repercussão negativa.
“A legislação eleitoral, como todo processo eleitoral, visa garantir o exercício da cidadania, que é a base da democracia. Então, votar, ou seja, eleger os ‘comandantes’ da nação, em todos os âmbitos, municipal, estadual e federal, acaba por ganhar essa grande importância, inclusive, superando o direito do Estado em cercear liberdades individuais em alguns crimes”, explica o advogado eleitoral e especialista em criminologia Flávio Fabiano.
Já a professora de Direito da Universidade Estadual do Rio Janeiro (UERJ), Vânia Aieta, ressalta que o dispositivo “surgiu dentro de um contexto político muito diferente”. “Era um instrumento de combate ao voto de cabresto, ele foi pensado exatamente para impedir aquelas prisões arbitrárias que os coronéis articulavam contra os seus opositores na época”, lembra.
Atualmente, a medida é tema de debate entre juristas. Alguns apontam a inconstitucionalidade da medida, já outros defendem que o artigo, assim como todo o Código Eleitoral, apenas estabelece condições e circunstâncias para o exercício da cidadania.
“Não se pode criar a figura de um super-cidadão, não se pode lesar o princípio da isonomia”, afirma Vânia, ao apontar as possíveis inconstitucionalidades do artigo.
A professora destaca ainda que há uma colisão de direitos na interpretação do artigo. De um lado, há os direitos fundamentais da sociedade, como o direito à segurança, do outro, há o direito do voto de um indivíduo, que pode ser preso.
“Nesse sopesamento do que é mais importante, se um voto de um indivíduo for perdido em nome de uma segurança maior da sociedade, me parece que a escolha da sociedade deve ser a escolha a ser feita”, avalia.
A professora defende ainda uma interpretação mais restritiva do artigo. “Eu penso que o alcance desse dispositivo poderia estar focado nos crimes eleitorais, até levando em conta o denuncionismo, as denúncias pré-fabricadas que tem o intuito de apenas obstruir os adversários”, afirma.
Já Flávio Fabiano entende que não há inconstitucionalidade no artigo ou risco à ordem pública. “A segurança pública continua resguardada em todos os seus aspectos, pois haverá prisão em flagrante delito, continuarão sendo cumpridos mandados de prisão por sentença condenatória por crimes graves, ou para pessoas que estão com direitos políticos suspensos”, avalia.
No Congresso Nacional, há ao menos 19 projetos de leis apresentados com diferentes propostas de alterações do artigo ou simplesmente a revogação completa da medida. Uma das principais modificações apresentadas pelos parlamentares é a possibilidade de cumprimento de mandados de prisão preventiva e temporária em casos de crimes hediondos.
Em 2020, os deputados federais Alexandre Frota (PSDB/SP) e Boca Aberta (PROS/PR) apresentaram dois projetos de leis individuais pedindo a revogação do artigo. Conforme o site da Câmara dos Deputados, as duas propostas foram apensadas ao PL 5490/2009, que também prevê alterações no artigo e está “pronta para pauta no Plenário”. Ou seja, o texto já passou pelas comissões e já pode ser votado pelos deputados federais.