Eleição no Brasil ganha ares de ‘guerra santa’

SÃO PAULO, 27 OUT (ANSA) – Por Lucas Rizzi – A acirrada disputa entre Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela Presidência da República ganhou ares de guerra santa no segundo turno devido à polarização entre evangélicos e católicos.   

Pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira (26) mostra que Bolsonaro tem 61% das intenções de voto no eleitorado evangélico, contra 31% de Lula, situação que se inverte entre os católicos, público no qual o petista lidera por 54% a 37%.   

“Os católicos não vão necessariamente para a igreja o tempo todo, os evangélicos, sim, e isso constrói uma sensação de que o voto não é individual e precisa partir de uma espécie de entendimento identitário”, explica à ANSA a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).   

“Por isso, pautas como liberdade religiosa e o medo de o comunismo se instaurar e proibir comunidades religiosas afetam muito mais o voto evangélico que o católico. Os evangélicos são mais suscetíveis a pautas atreladas ao conservadorismo e à direita cristã”, acrescenta.   

Bolsonaro, que é católico (assim como Lula), tem a seu lado os principais pastores neopentecostais do país, como Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus e dono da TV Record.   

Ao longo dos últimos meses, igrejas evangélicas Brasil afora se tornaram os principais bastiões da campanha do presidente e palco ideal para vender sua pauta de costumes, além das acusações falsas de que Lula fechará templos religiosos em um eventual novo governo.   

Bolsonaristas não pouparam sequer o Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, principal templo católico do país e teatro de tumultos no dia 12 de outubro, quando apoiadores do presidente se irritaram com um sermão contra a fome.   

Coincidência ou não, o papa Francisco se pronunciou em sua audiência geral desta quarta-feira (26) e disse que reza para que o povo brasileiro seja libertado “do ódio, da intolerância e da violência”. Já o arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, afirmou em um sermão que cuidar dos pobres “não é ser comunista”. “Faz parte do Evangelho, não nos deixemos enganar, todos os santos fizeram isso”, declarou o prelado.   

De acordo com Teixeira, existe um grande público católico – os chamados “carismáticos” – que passou por uma “doutrinação importante no período em que o país era atravessado pela Teologia da Libertação”, corrente de teor abertamente progressista e voltada à defesa dos oprimidos.   

As próprias comunidades eclesiais de base, grupos orientados pela Teologia da Libertação e que se espalharam pelo Brasil nas décadas de 1970 e 1980, foram importantes na fundação de PT e no processo de capilarização do partido.   

“Existe uma construção dentro do catolicismo que se voltou para o acolhimento das populações mais vulneráveis, o que faz com que esse voto seja mais engajado nas pautas progressistas”, explica a antropóloga da UnB.   

Teixeira ainda acredita que uma eventual vitória de Lula pode levar a atos de desobediência civil em vários segmentos da sociedade, inclusive os evangélicos. “Não a camada mais pobre, mas esses grupos mais próximos às megaigrejas e às lideranças evangélicas que apoiam Bolsonaro e apostam no pânico político”, diz. (ANSA).