Jair Bolsonaro vê o risco de impeachment crescer e a popularidade despencar, acossado pela crise na saúde, que se agravou com sua atitude criminosa. Mas pode se fortalecer e conquistar vitórias importantes com a eleição de dois aliados na cúpula do Congresso: Arthur Lira (PP), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM), no Senado. O primeiro nome é o mais importante e mais escandaloso. Cabe ao presidente da Câmara decidir sobre a abertura dos processos de impeachment. É ele que determina a pauta legislativa, podendo facilitar os temas da agenda de costumes, a escalada armamentista e também mudanças institucionais que ampliem a interferência do presidente nas forças de segurança. É nesse posto que o mandatário pode instalar seu aliado mais importante.

Uma ficha suja digna de gângsteres é o principal atributo do candidato do presidente. As acusações, processos e investigações contra o deputado Arthur Lira envolvem rachadinhas, movimentações milionárias, formação de quadrilha no seu partido, violência doméstica e corrupção passiva. A trajetória lembra muito a de Eduardo Cunha (MDB-RJ), ex-presidente da Câmara, preso por corrupção na operação Lava Jato. O atual líder do Centrão também foi denunciado pela Procuradoria Geral da República em operação da Lava Jato, em 2020. É acusado de ter recebido propina de R$ 1,6 milhão da empreiteira Queiroz Galvão. Também está envolvido no escândalo do Quadrilhão do PP, esquema que desviou recursos da Petrobras. Dar a ele o comando da Câmara é jogar para debaixo do tapete várias investigações.

BOLSONARISTAS Deputados do PSL foram cooptados pelo presidente para votar em Lira, contrariando a direção do partido, que fechou com Baleia: devem ser expulsos (Crédito:Marcos Correa)

Aos 51 anos, Arthur Lira é deputado federal pelo terceiro mandato. O rastro de corrupção vem desde quando ocupava o cargo de deputado estadual na Assembleia Legislativa de Alagoas. De 2001 a 2007, segundo as investigações da PF e do Ministério Público, Lira recebia R$ 500 mil por mês nas suas contas bancárias, que eram irrigadas pelos desvios das rachadinhas. A prática é bem conhecida da família Bolsonaro. No caso de Lira, as investigações apontam que seu grupo desviou pelo menos R$ 254 milhões dos cofres públicos a partir de salários dos servidores, inclusive de funcionários fantasmas. Em 2007, a PF deflagrou a Operação Taturana e constatou que Lira movimentou em suas contas um total de R$ 9,5 milhões, dinheiro que ele teria usado para comprar carros, apartamentos e terrenos. A maior parte do dinheiro foi recebida com o apoio de laranjas, como sua ex-mulher Jullyene Lins. De acordo com ela, o patrimônio não declarado de Lira gira em torno de R$ 40 milhões, embora a declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral registre apenas R$ 1,78 milhão. Mesmo diante de todas as provas, o processo foi arquivado de forma estranha pelo juiz Carlos Henrique Pita Duarte, da 3ª Vara Criminal de Maceió, sob a descabida alegação de que o caso não era de competência da Justiça Estadual, razão pela qual o magistrado anulou todas as fartas provas colhidas pela PF, incluindo os extratos das contas do deputado. O Ministério Público recorreu da decisão em dezembro passado e o caso será julgado novamente no Tribunal de Justiça do Estado.

“Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara” Jair Bolsonaro, que apoia Arthur Lira (à dir.) (Crédito:Reprodução/ Facebook)

O currículo do deputado também tem acusações de violência doméstica. Entre tapas, socos e xingamentos, Lira se tornou uma ameaça à ex-mulher Jullyene Lins, que já fez três registros de ocorrência por agressão na Delegacia da Mulher. Também pediu, sem sucesso, ao Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos para ser incluída no cadastro de Proteção a Testemunhas. Desde janeiro de 2019, Jullyene já fez quatro pedidos. Procurada pela reportagem, a pasta comandada por Damares Alves afirmou que “não é possível confirmar, negar ou prestar qualquer esclarecimento sobre a situação mencionada”.

A expertise em movimentar dinheiro fez de Lira um líder dos negócios escusos, e, claro, o transformou em predileto de Jair Bolsonaro. Para ajudá-lo, o presidente não mediu esforços e intensificou encontros com parlamentares no Palácio do Planalto. Colocou toda a máquina administrativa a serviço de Lira. Sem qualquer cerimônia, brotam emendas parlamentares. O volume prometido pelo presidente já é da ordem de R$ 3 bilhões. “Pela conta que fiz, pelo Orçamento de 2021 e pelo que eu já vi o governo prometendo, vai dar no mínimo uns R$ 20 bilhões”, protestou Rodrigo Maia. Cargos públicos são distribuídos. Os Ministérios da Saúde e da Cidadania já estão em negociação com o Centrão. A pasta da Indústria e do Comércio pode ser recriada com o mesmo fim. Bolsonaro assumiu diretamente o comando da operação. E sem nenhum constrangimento. Na quarta-feira, 27, depois de uma reunião com parlamentares do PSL, seu antigo partido, o presidente admitiu: “Viemos fazer uma reunião aí com 30 parlamentares do PSL e vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara “. Em outras palavras, admitiu que pretende interferir no Legislativo, violando o princípio constitucional da separação dos Poderes.


Os frutos do uso da estrutura pública já começam a ser colhidos. Os postos de segundo escalão foram os mais negociados em troca de votos, segundo admite um aliado do governo que tem participado das negociações. “É por meio deles que as mudanças ocorrem na eleição. Está tudo ali”, disse à ISTOÉ um parlamentar que tem acompanhado as reuniões do governo com as ofertas em troca de votos. O toma lá dá cá se intensificou nos dias finais. Envolveu indicações de parlamentares a cargos de diretorias na Sudene e na Codevasf. Os resultados apareceram. Na reta final da disputa, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, se deparou com um racha no seu partido, o DEM. Nos bastidores, cogita-se até que, a depender do resultado, Maia possa deixar a legenda. As manobras desequilibraram a disputa a favor de Lira. Baleia Rossi (MDB), o candidato de Maia e de oposição a Bolsonaro, ficou em desvantagem. Lira tem em suas mãos o comando do grupo mais fisiológico do Congresso, o notório Centrão, que fechou um acordo para apoiar Bolsonaro no primeiro semestre de 2020. Seus líderes tentam abocanhar também os ministérios ligados a Bolsonaro e que hoje encontram-se com os militares. No tabuleiro estão a Casa Civil, hoje a cargo de Braga Netto, e a Secretaria de Governo, ocupada por Luiz Eduardo Ramos. Esta última é responsável pela articulação política do governo que, na prática, nunca surtiu efeito sob a mão do militar.

Traições

As traições não podem ser descartadas, já que a votação é secreta. Isso complica ainda mais a situação de Baleia Rossi. Esse é o fator que mais tem pesado nos últimos dias de disputa na Câmara. Para ser eleito presidente da Câmara, o candidato precisa conquistar o voto de, no mínimo, 257 deputados, dos 513 parlamentares da Casa. As traições do DEM aumentaram a vantagem de Lira, que já tinha ao seu lado dissidentes do PSL, antigo partido do presidente. Oficialmente, o partido comandado por Luciano Bivar declarou apoio à candidatura de Rossi, mas a decisão nunca foi unânime. Os dissidentes são impulsionados por nomes como Eduardo Bolsonaro e Carla Zambelli.

RACHADINHA O juiz Pita Duarte anulou provas contra Lira, mas o TJ-AL vai revisar o caso a pedido do MP-AL (Crédito:Divulgação)

Mesmo sob ameaça de expulsão, o grupo do PSL que apoia Lira, aumentou. O anúncio foi feito pelo próprio Lira, que atraiu 36 dos 52 deputados federais da legenda. Os aliados de Bolsonaro no partido já garantiriam espaço na Mesa Diretora sob um eventual comando governista. Assim como ocorreu no PSL e no DEM, outras articulações de Maia podem ser implodidas por Bolsonaro. Maia tem pouco tempo para reverter a situação. O Solidariedade, por exemplo, que tem 14 parlamentares, declarou apoio a Baleia Rossi, mas há incerteza no voto de pelo menos seis deputados. O PSB é outro partido que tenta manter o apoio ao candidato da oposição, mas sabe que na hora que o bolso parlamentar aperta o voto pode mudar de lado. São 30 deputados, mas o total comprometido realmente com Baleia é incerto.

Bolsonaro não usou a máquina apenas para atrair as legendas. Também investiu na bancada ruralista e na bancada da bala. Elas também devem incrementar os apoios necessários a Lira, já que o presidente cobrou diretamente fidelidade aos dois grupos. Nesse caso, a principal estratégia usada foi a liberação de emendas. Diante das movimentações, os apoiadores de Lira já começam a cantar a vitória. “Se Deus quiser, teremos o segundo homem na linha hierárquica do Brasil eleito aqui no Nordeste, pela Câmara dos Deputados”, disse o presidente, exultante, em uma live. Bolsonaro está mal informado ou deseja interferir também no Supremo Tribunal Federal (STF). Ocorre que o STF já decidiu que o presidente da Câmara, se for réu, está impedido de assumir interinamente a presidência, portanto está fora da linha de sucessão. Esse é o caso de Lira. Se ele vencer, Bolsonaro ganhará um respiro e afasta o risco momentâneo do afastamento. Mas ficará refém do Centrão como nenhum outro presidente — incluindo Dilma Rousseff, que perdeu o cargo mesmo depois de escancarar o governo para o grupo. Acima de tudo, o espetáculo deprimente a que se assiste agora no Congresso, com a eleição do líder acusado de corrupção do Centrão patrocinado de forma espúria pelo presidente, terá um efeito didático. Um desfecho tão nocivo para o País pode escancarar a verdadeira face do bolsonarismo. A velha política nunca esteve tão enfronhada no poder.

“Tenho muito medo de ser morta”
Ex-mulher de Arthur Lira, Jullyene Lins, deixou Alagoas, onde morava, com medo de ser assassinada

Como foi a agressão que a senhora relata ter sofrido do deputado?
Eu já havia me separado dele e fui a um barzinho. Ele soube e foi à minha casa tirar satisfações. Chegou de uma vaquejada e disse que queria falar comigo. Quando abri a porta, ele foi logo me dando um murro e caí. Foi
me chutando, me puxando o cabelo e dizendo palavras de baixo calão. Consegui me desvencilhar e pedir ajuda. Quase desmaiei. Foi horrível.

Divulgação

Ele continuou fazendo ameaças?
Muitas vezes. Ele mandava recados, dizendo que iria acabar com a minha vida. Geralmente não era ele que ligava. Mandava mensagem por alguém. Já fiz três queixas na Delegacia da Mulher.

Tem medo de ser assassinada?
Tenho muito medo porque eu sei do que ele (Lira) é capaz. No auge da ira ele é incontrolável.

A senhora atuou como laranja dele?
Sim, fui laranja do Lira numa das empresas dele. Graças a isso hoje não tenho vida fiscal nem tributária. Meu nome é sujo. Tem ainda a história dos empréstimos que ele fazia pela Assembleia. Eu era uma servidora laranja lá. Quando o dinheiro chegava à minha conta ele tirava tudo rapidamente.

Via dinheiro chegando na sua casa?
Sim, vi muitas malas de dinheiro. Às vezes eu perguntava e ele mandava eu ficar calada. Dizia que era gado que vendeu. Hoje, ele tem um patrimônio incalculável, todo em nome de laranjas.

Entrevista com Baleia Rossi
“A Câmara não será um puxadinho do governo”

Qual sua estratégia para romper o sistema do governo que usa ofertas de cargos e emendas em troca de votos?
A gente não pode nivelar o Parlamento por baixo. O exemplo recente mostra que é possível ajudar o País sem funcionar como puxadinho do executivo.

Marcia Ribeiro

O presidente nacional do PSL declarou que o partido o apoiaria, mas há um racha na legenda. Como evitar uma debandada?
Gostaria de contar com os votos de todo o PSL, mas respeito que uma parte da sigla prefira apoiar o candidato do presidente Bolsonaro. O presidente Bivar e o líder (Fernando) Francischini têm sido muito firmes quanto à independência da Câmara.

O que o diferencia de Arthur Lira?
Nos últimos anos, tivemos boa convivência. Houve uma mudança de rumo em abril de 2020. Ele entrou de cabeça no governo, resolveu tirar “selfie” com o presidente. Nós, não. Preferimos ajudar na agenda econômica e manter nossa independência.

Se o senhor vencer, dará andamento aos processos de impeachment contra Bolsonaro?
É função constitucional do presidente da Câmara acolher ou não tais pedidos. E cada um será analisado de acordo com o que determina a Constituição.

O senhor pretende discutir o retorno do voto impresso defendido pelo presidente da República?
Não há como sequer discutir esse tema enquanto o presidente, ou qualquer político, continuar colocando sob dúvida nosso sistema eleitoral eletrônico. Confio no TSE, nos seus ministros e na tecnologia. Não
há condições de esse assunto ser discutido enquanto houver
a tentativa de desqualificar nossas instituições.

Como fazer com que as reformas avancem no Congresso?
Trabalho, diálogo, construção de consenso. A Reforma Tributária vai completar dois anos de tramitação em abril deste ano. Está, portanto, madura para ser votada.

Como o senhor pretende agir para garantir a vacina contra a Covid para todos?
Cobrando e fiscalizando o governo, mas também promovendo diálogo entre os entes federativos. Sobretudo, despolitizando o caso. Vacina é saúde.

As pautas conservadoras, que tratam de aborto, escola sem partido, por exemplo, serão aceleradas caso o senhor vença a eleição?
Essas pautas dividem a sociedade. No momento, precisamos construir consensos para o combate à pandemia e a retomada econômica.