Ao criticar eventuais atos de insubordinação de integrantes da magistratura, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes normalmente sai com a seguinte pérola do anedotário brasileiro. “Em geral, o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo”. A metáfora já virou uma assertiva clássica no STF e também em outros órgãos como Polícia Federal e Exército, justamente no mesmo contexto, quando um subordinado quer buscar um protagonismo que não lhe é de direito. Atualmente, o governo de Jair Bolsonaro precisa lidar com vários problemas de comunicação e de estratégia, mas um especificamente tem irritado tanto o presidente quanto seus auxiliares: as maluquices do secretário da Receita Federal, Marcos Cintra. É um verdadeiro show de horrores. A maioria das vezes, ele entabula propostas ou emite declarações que nem sequer foram discutidas com o próprio presidente, provocando crises desnecessárias. O episódio do IOF, quando ele desautorizou o mandatário, e o caso envolvendo a quebra dos sigilos de Gilmar Mendes são exemplos clássicos (leia box abaixo).

“Vamos deixar claro que somos liberais e não aumentamos impostos” Paulo Guedes, ministro da Economia (Crédito: Leo Pinheiro/Valor)

A última ideia esdrúxula de Cintra foi divulgada no início da semana. Em entrevista, o secretário da Receita Federal afirmou que o governo estudava implantar um novo imposto que iria incidir sobre todas as transações de pagamento, como nos tempos da absurda CPMF. Para ele, até dízimo das igrejas evangélicas seria taxado. A ideia da criação da Contribuição Previdenciária (CP) estipula uma alíquota de 0,9% sobre todas as operações de pagamento, três vezes mais do que a famigerada CPMF. Na verdade, um escândalo ainda maior, já que ela atingiria até o desempregado e os que não têm direito à Previdência. A CP proposta por Cintra substituiria o que hoje é recolhido pelas empresas para o INSS, como forma de desafogá-las e ao mesmo tempo melhorar a arrecadação previdenciária. Só que quem pagaria a conta é a população, o que é um evidente desatino. Nem a economia informal escaparia. Basta mexer com dinheiro, ou participar de uma atividade econômica, para ser alcançado pela tributação ou até bitributação — o que torna a CP, assim como foi a CPMF no passado, claramente inconstitucional.
A possibilidade de se criar esse novo tributo, e de se taxar até igrejas e fieis, fez com que, pela primeira vez desde o início de mandato, situação e oposição, bancada evangélica e deputados ateus se voltassem contra uma proposta do governo. “É um palhaço”, esbravejou o pastor Silas Malafaia.

Desmentindo 

Na segunda-feira, após a malfadada entrevista do chefe da Receita, membros da Bancada Evangélica chegaram a ligar para Bolsonaro a fim de pedir explicações sobre a suposta proposta do governo. O presidente foi obrigado não somente a se desculpar por telefone, como também a gravar um vídeo no qual desmentia o projeto, na tentativa desesperada de apaziguar os ânimos. Naquele momento, antes de Bolsonaro desautorizá-lo, parte da bancada evangélica já classificava o mandatário do País como um traidor, “um verdadeiro Judas”. Além de Bolsonaro, outros integrantes do governo saíram a campo para garantir que a atual gestão não pretendia aumentar a carga tributária. Pelo contrário, lembraram que foi uma proposta de campanha de Bolsonaro reduzir os custos das empresas e não onerar a população ainda mais. Coube ao próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, garantir que a Casa não aprovará nenhum projeto que provoque mais ônus para os contribuintes. Num governo composto por militares, o que não se admite é a insubordinação. Cintra está pela bola sete.