Em um dia que estava sozinha em casa, Ana Luísa Monteiro Correard recebeu um entregador de gás para um serviço banal de instalação. O sinal vermelho acendeu quando o homem, já dentro de sua residência, começou a fazer perguntas e insinuações constrangedoras. Por mais que ele não tenha agido fisicamente contra ela, a situação por si só a deixou incomodada. Depois de contar a história para amigas, percebeu que várias outras mulheres passaram por casos parecidos e com elas compartilhava o desconforto da possibilidade de um assédio ocorrer novamente. Por causa da experiência, Ana, já familiarizada com reparos residenciais, conhecimento que aprendeu ainda criança com o avô, decidiu criar o M´Ana- Mulher Conserta Para Mulher, empresa pioneira no nicho de atendimento exclusivo ao público feminino. O serviço existe desde 2015 em São Paulo e, desde então, abriu caminho para vários outros negócios similares que surgiram no Brasil. Não apenas na área de reparos residenciais, mas em serviços que vão de autoescola à consultoria empresarial. “Tradicionalmente, a mulher não é bem aceita em algumas áreas, tanto que até hoje colegas nossas reclamam de preconceito no ramo das reformas”, diz Ana Luísa. “Mas temos uma rede de apoio e vamos trocando informações e nos ajudando.”

Também criada após um caso de assédio, o Lady Driver é uma espécie de Uber exclusivamente para mulheres, tanto motoristas quanto passageiras. Foi legalizado para funcionar em São Paulo no dia 8 de março e hoje concorre com outros serviços parecidos: Femitaxi, Taxi Rosa e Nüshu, além do recurso da 99 em que o passageiro opta por motorista mulher. O crescimento desse ramo se deu especialmente a partir da divulgação de casos de assédio sexual, em grande parte no último ano, em serviços de transporte, incluindo Uber, Cabify, 99 e Easy Taxi. Desde agosto, em uma campanha nas redes sociais com a hashtag #meumotoristaabusador, usuárias desses aplicativos relatam suas experiências. “Indo para o velório da minha avó, com um bebê no colo, ele foi abrir a porta e passou a mão na minha coxa”, contou uma vítima. “Recebi mensagem do motorista do app dizendo que era gostosa. Disse que iria denunciá-lo. Ele me ameaçou dizendo saber onde eu morava”, escreveu outra. Entre os dias 27 e 29 de agosto deste ano, quando a campanha viralizou, foram quase 30 mil citações somente no Twitter.

Poder feminino

“Estão surgindo mais casos? Não, sempre existiram, tanto no âmbito privado quanto no público, mas agora as mulheres têm coragem de falar e de criar alternativas”, afirma Gabriela Corrêa, fundadora do Lady Driver. Em nove meses de funcionamento, o aplicativo pulou de 1.100 para 10.000 motoristas e já tem mais de 150.000 usuárias cadastradas. A tentativa dos aplicativos, como aponta Gabriela, também é estimular mulheres a conseguir espaço profissional na área de transportes, majoritariamente masculina. “Não é comum ter mulher motorista, então uma vez por mês fazemos um encontro e trocamos sugestões e experiências. Estamos quebrando barreiras”, diz. No caso do M´Ana, a iniciativa também deu origem a cursos e treinamentos presenciais para qualificar mulheres a trabalharem com reformas e reparos residenciais. A empresa ainda divulga vídeos com tutoriais rápidos, como o que explica a trocar a resistência de chuveiro.

Para Ana Carolina Moreira Bavon, diretora executiva da Feminaria, consultoria especializada em empreendedorismo feminino, o momento colabora para que o nicho continue em crescimento. “Estamos em uma etapa de reconhecimento social do feminino e de nossas próprias capacidades”, afirma, também citando as recentes manifestações de mulheres nas ruas e nas redes sociais pela garantias de direitos e fim de abusos e assédios. “Mas precisa ficar claro que empoderamento feminino, uma expressão que está tão na moda, não pode ser usada de maneira comercial. Se for só o negócio pelo negócio, torna-se perigoso”, diz. Segundo Ana Carolina, o ideal é que essas empresas possam perpetuar um trabalho considerando singularidades do perfil feminino. Como no caso da Feminaria, que orienta suas clientes a como abrir uma empresa levando em conta situações do cotidiano da mulher, como a maternidade. Ana Carolina acredita que, em um mundo ideal, seria melhor que essa divisão não fosse necessária, principalmente nos casos em que serviços específicos são criados após situações de assédio. “Mas hoje é preciso que isso exista, pois ainda persiste o machismo e os abusos sexuais. Para a mulher que sai fragilizada de um ambiente masculino hostil, é importante encontrar outros espaços em que é aceita.”

 

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DIREÇÃO Gabriela Corrêa, fundadora do Lady Driver: “Não é comum ter mulher motorista. Estamos quebrando barreiras” (Crédito:Divulgação)

Lady Driver
Transporte

Criado em março de 2017, já conta com mais de 10.000 motoristas e 150.000 usuárias cadastradas. Boom dos aplicativos de transporte para mulheres foi intensificado após denúncias de assédio sexual

 


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