“Decidi parar com o anticoncepcional, minha última pílula foi sexta-feira passada, estou com um pouco de medo dos efeitos que virão, mas estou feliz por estar me sentindo encorajada.”

“Parei de tomar porque estava aumentando minhas crises de pânico.”

“Tive uma trombose venosa profunda e tromboflebite. Precisei ser internada e tive que cortar o anticoncepcional. Alguém já passou por isso?”

Se entrasse hoje no Facebook e encontrasse o grupo de discussão com o nome de “Contracepção Não-Hormonal”, de onde as frases acima foram tiradas, a americana Margaret Sanger, ativista que impulsionou a criação da pílula anticoncepcional em 1960, ficaria estarrecida. A página tem mais de 120 mil mulheres que trocam informações sobre como lidam com a interrupção do uso de hormônios, os benefícios, os efeitos colaterais e os outros métodos que usam para evitar a gravidez. Há meio século imperando como tratamento mais difundido entre ginecologistas e pacientes, a pílula foi, como se sabe, revolucionária. Fez parte da liberação sexual feminina. Possibilitou que elas tomassem o controle do próprio corpo, planejassem quando gostariam de engravidar, levassem adiante outros projetos pessoais e profissionais antes de se tornarem mães. Agora, mais de meio século depois, muitas mulheres estão fazendo o caminho contrário. Por quê?

NOVA ONDA Movimentos feministas ganharam força no País e andam junto com as mudanças de mentalidade das brasileiras em relação ao corpo e à sexualidade
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“Esse movimento de repensar métodos contraceptivos começou com a divulgação dos riscos de efeitos colaterais”, afirma a ginecologista Halana Faria, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Histórias como a da professora de ensino fundamental Ilma Gomes, 40 anos, que investiu na pílula depois da primeira gravidez, mas parou de usá-la quando foi diagnosticada com um princípio de trombose por causa do remédio. “Minhas pernas começaram a inchar e sentia muitas dores, a pele estava rígida”, diz. Bastou parar de tomar os hormônios para o problema acabar. “Nós sempre achamos que a pílula é o método mais eficaz e que faz bem para o corpo da mulher. Resolvi insistir sem saber o que iria acontecer.” A falta de informação é um dos principais fatores que levaram ao momento atual, de questionamento. Ao perceberem que não têm noção nem são informadas sobre os riscos dos contraceptivos hormonais, as mulheres começaram e se perguntar, e a perguntar aos seus médicos, sobre o quão benéfico é seguir esse tipo de tratamento. Para Halana, elas têm tomado consciência sobre como são alijadas do direito de conhecer e decidir sobre o que é melhor para si. Veio daí o impulso para uma nova onda de mudança ligada à sexualidade feminina.

“É injusto que só a mulher seja responsabilizada pela proteção, já que ela e o homem estão envolvidos na relação sexual. Isso precisa ser discutido” Carmita Abdo, sexóloga
“É injusto que só a mulher seja responsabilizada pela proteção, já que ela e o homem estão envolvidos na relação sexual. Isso precisa ser discutido” Carmita Abdo, sexóloga

A tendência caminha junto com a chamada “primavera feminista”, a nova etapa do movimento no Brasil que começou por volta de 2015 e tomou as ruas e as redes sociais em grandes mobilizações contra o machismo e pela manutenção da autonomia e dos direitos das mulheres. “Sou feminista e acredito que estamos vivendo uma nova revolução sexual. Procuramos saber, questionar e nos impor mais, inclusive cobrando direitos sexuais e reprodutivos”, afirma a estudante de nutrição Luana Moreira, 18 anos, a criadora da página do Facebook citada no começo desta reportagem e ela mesma uma ex-usuária da pílula. Para a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, coordenadora do programa de estudos em sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), as mulheres vivem um momento de repensar as próprias conquistas. “Há alguns anos, exigíamos poder trabalhar fora. Para as gerações passadas, era positivo ter uma carreira, cuidar da casa e da família. Hoje, muitas querem menos trabalho e mais tempo de licença-maternidade”, afirma. “As conquistas do século XX começam a ser revistas no século XXI, e isso também está acontecendo em relação aos métodos contraceptivos.”

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Anticoncepcional masculino: novo produto é aprovado em teste inicial
Em uma nova tentativa de criar um contraceptivo masculino, pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, desenvolveram uma espécie de gel que bloqueia a passagem de espermatozóides pelo canal deferente, por onde passa o sêmen. O produto foi testado em 16 macacos que conviveram com fêmeas em período reprodutivo, sendo que sete deles ficaram alojados com elas continuamente por dois anos. O resultado foi positivo: não houve uma fecundação sequer. O estudo foi publicado na terça-feira 7 na revista “Basic and Clinical Andrology”. Nas conclusões, os estudiosos afirmam que as complicações foram poucas e similares com as associadas à vasectomia. Agora, as pesquisas deverão seguir para descobrir qual a possibilidade de reversão do tratamento. É um passo importante, não apenas para aumentar as opções de métodos contraceptivos, como também para tornar o homem tão responsável quanto a mulher para evitar uma gravidez.

DIVISÃO DE RESPONSABILIDADE
A publicitária Dandara de Carvalho Sanches, 25 anos, começou a usar anticoncepcional aos 16 anos e não tinha qualquer queixa. Até perceber que já não se sentia tão confortável. “Depois de anos usando hormônios, minha libido era zero e descobri que a pílula poderia ser o problema. No fim era mesmo.” Outras questões pesaram na decisão de abolir o remédio. Dandara acredita que sua geração foi incitada desde cedo a crer que a pílula era a única solução para evitar gravidez e que menstruar é ruim. Agora ela optou pela camisinha. Para Carmita Abdo, hoje a vida sexual da mulher tem maior rotatividade de parceiros e, portanto, é imperativo o uso do preservativo para prevenção de doenças. “Aí ela se pergunta: ‘Para que pílula?’. E decide então usar apenas um método.” Há, porém, o machismo incutido também nessa situação, como quando o homem se nega a usar o preservativo. “É injusto, já que ambos estão envolvidos, mas ela não pode abrir mão de se proteger.”

“Minhas pernas começaram a doer e a inchar. Era princípio de trombose por causa da pílula e parei de usá-la” Ilma Gomes, professora
“Minhas pernas começaram a doer e a inchar. Era princípio de trombose por causa da pílula e parei de usá-la” Ilma Gomes, professora

Professora em Saúde Coletiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, relembra o impacto do surgimento da pílula para sua geração. “Foi um alívio. As mulheres poderiam exercer a sexualidade sem o risco da gravidez”, diz. Houve, claro, uma revolução de costumes, mas que aos poucos passou a se tornar uma subordinação a um único método. “A dependência do anticoncepcional se tornou um paradigma, mas que agora está sendo quebrado. Muito mais pelas mulheres do que pelos médicos, aliás”, afirma. “Já fui em ginecologista dizendo que não queria mais tomar hormônio e saí do consultório com duas caixas de amostra, foi terrível”, diz Luana.

Presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), César Eduardo Fernandes salienta que a questão precisa ser analisada com cautela. “A mulher pode tomar a decisão de não usar mais por questões não fundamentadas, porque tira a naturalidade, tira libido, mas será que isso é mais preconceito ou tem uma base científica?”, afirma. “Pode ser uma falta de compreensão do que está acontecendo. É bonito dizer ‘sou naturalista’, mas fazer uma casa não é natural e nem por isso as pessoas vão morar na caverna.” Ainda que gere polêmica, há um consenso em relação ao tema: é preciso dar à mulher mais opções e informações para que ela possa escolher o que fazer com seu próprio corpo.

Parar ou não parar?
As vantagens e desvantagens de deixar de tomar a pílula

• Deixar de usar hormônios sintéticos devolve à mulher a possibilidade de viver o ciclo reprodutivo naturalmente, reconhecer e entender as reações genuínas do corpo

• Sem a pílula, muitas relataram aumento do desejo sexual e fim de dores de cabeça causadas pelo uso do contraceptivo

• O uso contínuo aumenta o risco de problemas circulatórios graves, como trombose, ainda que a incidência seja considerada baixa (4 casos para cada 10 mil mulheres em um ano). Também pode ter relação com diabetes, adenoma hepático (tipo de tumor benigno do fígado) e alterações mamárias

Por outro lado…
• Ainda é um dos métodos contraceptivos mais baratos, práticos e eficazes, com índice de falha menor que 1% ao ano

• O uso contínuo pode regular a menstruação, diminuir cólicas e outros problemas associados à tensão pré-menstrual

• Também pode ser benéfico para mulheres com endometriose e síndrome dos ovários policísticos



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