Antes de as delações dos executivos da Odebrecht se tornarem públicas, a ex-presidente Dilma Rousseff manteve uma postura de indignação quanto ao seu conhecimento das propinas pagas pela empreitara para o financiamento de sua campanha em 2014. Ela alegava que o conteúdo das delações não merecia crédito por surgirem de “criminosos confessos” e não conterem provas. A situação da petista se complicou na quarta-feira 12, quando os brasileiros puderam assistir aos depoimentos de Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira que leva seu sobrenome, e de Alexandrino Salles Ramos de Alencar, executivo da empresa. Ambos afirmaram que Dilma não só sabia como autorizou o uso de recursos do caixa dois na eleição de 2014.

Em um dos depoimentos, Marcelo diz aos procuradores da força-tarefa que Dilma tinha consciência do uso da contabilidade paralela e que boa parte dos recursos era direcionada para o marqueteiro da campanha dela, João Santana, que também fechou colaboração premiada. Alguns contatos usavam interlocutores, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e Edinho Silva, ex-tesoureiro da campanha de 2014 e prefeito de Araraquara (SP). Odebrecht diz que Guido lhe repassou recado da petista para trocar o então tesoureiro do PT João Vaccari Neto por Santana e Edinho no recolhimento do dinheiro repassado por fora. Marcelo Odebrecht declarou ainda que tanto a ex-presidente quanto Lula sabiam do esquema de propina montado na Petrobras. “Pela lógica, eles sabiam que a razão pela qual eu estava doando aquela dimensão (de dinheiro) que eles conheciam, é porque eu tinha uma agenda grande”, afirmou. A referida agenda diz respeito aos contratos da empreiteira com o governo.

Após ter conhecimento do conteúdo das delações, Dilma divulgou uma nota por meio de sua assessoria de imprensa. “O senhor Marcelo Odebrecht faltou com a verdade”, afirmou a petista. Segundo a nota, “Também são falsas as acusações de que Dilma Rousseff tenha tomado qualquer decisão para beneficiar diretamente a Odebrecht ou mesmo qualquer outro grupo econômico”. Resta saber se a presidente deposta vai repetir a mesma cantilena de negações quando a delação de seu marqueteiro, João Santana, vier a público confirmando todo o conhecimento dela sobre as movimentações do esquema.

por fora O marqueteiro João Santana, que recebeu recursos da campanha de Dilma em 2014
POR FORA O marqueteiro João Santana, que recebeu recursos da campanha de Dilma em 2014

Espaço na TV

O executivo Alexandrino Alencar afirmou que pagou R$ 35 milhões aos partidos Pros, PCdoB, PRB, PDT e PP em troca do tempo de TV deles durante a campanha. A compra foi feita a pedido de Dilma, mas por intermédio de Edinho. Alexandrino tratava dos temas por meio do ex-tesoureiro, ex-ministro e atual prefeito de Araraquara. As legendas reuniam um tempo de 3 minutos e 20 segundos, quase o mesmo destinado ao concorrente Aécio Neves (PSDB), que tinha 4 minutos e 35 segundos. Contatos com Edinho foram interrompidos depois. “Edinho falou: ‘Não posso mais falar com você. Estou sendo seguido pela Polícia Federal. Então, não é bom a gente se encontrar’. Então, comecei a conversar mais com o Manoel (Araújo Sobrinho), chefe de gabinete do ministro da Secretaria de Comunicação do governo de Dilma”, disse Alexandrino. Vale destacar que, pelo depoimento de Alexandrino, Edinho obteve informações privilegiadas sobre as investigações da PF e tinha plena consciência de que seus encontros com os executivos da empreiteira eram criminosos, caso contrário, não precisaria escondê-los da polícia.

Delação de Marcelo Odebrecht sobre o pedido de R$ 100 milhões para a campanha de Dilma, em 2014

 “Dilma sabia da propina”

“No que tange a questões de caixa dois, tanto Lula quanto Dilma tinham conhecimento do montante, da dimensão de todo o nosso apoio ao longo dos anos. Tudo o que contei (sobre o pagamento de propina) para Graça (Foster, ex-presidente da Petrobras), eu contei para Dilma.

“O governo não resolvia os problemas. Não é justo. Até fiz uma nota enorme, de cinco, seis, sete páginas com todos os problemas que a gente tinha. Mostrei para Dilma, Guido (Mantega, ex-ministro da Fazenda). Mostrei para todo mundo. Tinha prometido para o Guido os R$ 100 milhões. Tinha problemas com outras áreas que não eram relativas a ele, eu não podia cancelar.”

“Ele fez um pedido adicional e eu falei que não podia fazer mais (doação) oficial, por causa do relativismo com os outros candidatos, mas que poderia dar via João Santana. Eu disse que estava com dificuldade de fazer via caixa dois, por causa da Lava Jato, que estava difícil movimentar dinheiro, e ele me falou para doar para os partidos da coligação”