Devido a recente onda de ataques que tem acometido as escolas no Brasil, um novo termo está sendo bastante falado: o “efeito contágio”. O último massacre que chocou a todos aconteceu na quarta-feira (5) em Blumenau (SC). A creche Cantinho do Bom Pastor foi alvo de um atentado, no qual um homem, de 28 anos, invadiu a unidade e matou quatro crianças e deixou outras cinco feridas.
O compartilhamento de imagens, vídeos ou fotos dos criminosos nas redes sociais, em grupos de WhatsApp ou outros meios de comunicação, pode ajudar a encorajar novos ataques, alertam especialistas.
A IstoÉ Gente procurou Cesar Beck, especialista em Direito Constitucional, Digital e Mestre em Direitos Humanos, que explicou tudo sobre o “efeito contágio” e fez diversos alertas sobre o assunto. Confira!
O que é efeito contágio ?
O “efeito contágio” (midiático) é um fenômeno que ocorre quando a cobertura midiática intensiva de eventos violentos, como ataques a escolas, pode impulsionar a recorrência desses crimes. Isso porque a exposição repetida e exagerada desses eventos pode inspirar outras pessoas a cometerem atos semelhantes, como se fosse uma espécie de “imitação” do comportamento do agressor original. Esse efeito pode ser ainda mais potencializado nas redes sociais, onde as informações e imagens circulam rapidamente e podem ser compartilhadas em massa, contribuindo para a amplificação do impacto psicológico do evento. Em outras palavras, a disseminação de informações e imagens de crimes violentos em escolas pode contribuir para o “efeito contágio”.
Tal fenômeno midiático tem sido tema delimitado de estudos em universidades focadas em Direitos Humanos, em Direito Digital, em Direito Penal e também em Pós-Graduações focados em Administração Pública, notadamente, Segurança Pública. Nas últimas duas décadas, diversos estudos foram produzidos sobre o “efeito contágio”. Boa parte dos estudos apontam para uma mesma conclusão: a recorrência desses crimes aumentou com a cobertura midiática e que comunidades em mídias sociais glorificam os atiradores ou perpetradores de ataques e menosprezam as vítimas.
O “efeito contágio” tem sido estudado nos EUA e na Eupora, de acordo com o estudo Post Data publicado por John Cox, Monica Ulmanu et al. para o renomado The Washington Post.
De acordo com a publicação e o levantamento feito: houve mais tiroteios em escolas [nos EUA] em 2022 – 46 – do que em qualquer ano desde pelo menos 1999. Nos EUA, houveram 377 massacres em escolas de fatídico episódio de Columbine. O massacre mais recente ocorreu apenas a dez dias, em Nashville, Tennessee, na Escola Covenant (The Covenant School) com 6 vítimas fatais dentro de uma escola primária que tinha durante o momento do massacre 180 crianças presentes. Um ex-aluno perpetrou o massacre tirando as vidas inocentes de 3 alunos menores de idade e 3 professores.
Aumento dos ataques
No Brasil, a disseminação de informações ou desinformação nas redes sociais pode influenciar no aumento de casos. Logo após o ataque recente na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo (SP), a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo registrou sete boletins de ocorrência com possíveis planos de ataques a escolas feitos por adolescentes. A instituição suspeita que a ampla divulgação de casos pela imprensa contribuiu para esse aumento.
É importante ressaltar que a disseminação de informações e imagens de crimes violentos em escolas é um desrespeito aos direitos humanos e constitucionais das vítimas, principalmente quando se trata de menores de idade, que por lei, é crime a divulgação de sua imagem ou nome. As famílias das vítimas têm o direito de preservar a honra e a imagem dos entes queridos que faleceram em circunstâncias tão trágicas.
Como diminuir os massacres ?
Para coibir o “efeito contágio“, é necessário um processo educativo para que a população não consuma e não compartilhe as ações desses extremistas. Além disso, é importante que as redes sociais e os meios de comunicação na imprensa e TV estabeleçam normas claras de conduta para evitar a disseminação de informações e imagens sensacionalistas sobre crimes violentos em escolas.
O ideal é a não divulgação de imagens de vítimas, seus dados pessoais, de informações tendenciosas, inclusive de dados e imagens do criminoso e que as notícias sobre o assunto não sejam massificadas. Destaco que é preciso denunciar perfis que estão divulgando essas informações de forma errônea e muitas vezes cometendo crimes cibernéticos nas redes sociais e que o mundo online precisa ser limitado, sob uma perspectiva de “alfabetização digital”.
Vale destacar que quando tratamos de “Educação midiática” na internet, perduramos um esforço árduo, necessário e contínuo em ensinar aos usuários de redes sociais habilidades para navegar na internet de forma segura, consciente e responsável. O incentivo à prática de crimes violentos por usuários de redes sociais é perigoso, pois pode inspirar outros usuários a cometerem atos semelhantes. Da mesma forma, a divulgação de cenas bárbaras de um crime e a apologia do criminoso podem catalisar outros crimes violentos.
Da mesma forma que a divulgação de cenas bárbaras de um crime e a apologia do criminoso informando seu nome, sua imagem e eventualmente um texto que próprio produziu é motivo de ser catalizador de outros crimes bárbaros: A reprodução dos vídeos em redes sociais pode inspirar outras pessoas a cometerem atos semelhantes. Além disso, a exposição excessiva de informações sobre crimes violentos pode causar trauma, dessensibilizar emocionalmente quem as consome ao ponto que se torna apática.
Ressalto algumas boas práticas de “alfabetização digital” e “educação midiática”: (1) ensinar os usuários a identificar e combater a disseminação de notícias falsas, discursos de ódio e imagens e vídeos com cenas ora sexuais, ora bárbaras, (2) instruir sobre a importância da privacidade online e segurança digital, (3) incentivar o uso consciente e responsável das redes sociais e (4) promover o respeito aos direitos humanos e à diversidade. Essas práticas podem ser aplicadas de forma simples e didática, através de atividades em sala de aula, workshops, palestras informativas e dentro de casa entre pais e filhos(as).
Por fim, a proteção dos direitos humanos e constitucionais das vítimas é fundamental, e todos nós temos a responsabilidade de colaborar para que esse tipo de crime não se repita. A “alfabetização digital” e a “educação midiática” são ferramentas poderosas para a conscientização e o combate ao “efeito contágio”.
Mudança na cobertura jornalística
Após o grande número de ataques nas escolas nos últimos dias, alguns veículos de comunicação tomaram a decisão de mudar suas políticas e, a partir de agora, não irão mais divulgar a foto e nem o nome dos autores dos massacres.
Na abertura do ‘Jornal Nacional‘ na noite de quarta-feira (5), William Bonner anunciou uma mudança editorial no grupo Globo – a alteração vale para todos os veículos da emissora. A atitude foi tomada devido a repercussão do massacre de Blumenau, ocorrido na manhã de ontem.
Já a CNN Brasil informou a mudança durante o jornal noturno ‘CNN Prime Time’. De acordo com a emissora, o posicionamento atende a um pedido do Ministério Público de Santa Catarina.
O Estadão publicou uma thread no Twitter, explicando a decisão e informou que a medida foi tomada com base em “pesquisas mostram que essa exposição pode levar a um efeito de contágio, de valorização e de estímulo do ato de violência em indivíduos e comunidades de ódio, o que resulta em novos casos”.
Por fim, o Sleeping Giants Brasil, que lançou um vídeo onde pede para que as emissoras acatem a decisão de não estampar os rostos e nomes dos autores dos crimes.