Parece que o lema do governo é bagunçar para deseducar. Poucas vezes se viu um Ministério da Educação (MEC) tão caótico, perdido e sem planos, atirando para todos os lados e não acertando em nada. O ministro Ricardo Vélez Rodrigues dá a impressão de andar nas nuvens e não querer que o governo comece a funcionar. Em três meses no cargo ainda não conseguiu constituir uma equipe técnica e nem fazer um esboço de um plano de ação. Seus primeiros passos parecem indicar uma intenção mais destrutiva do que construtiva. Avanços e recuos incompreensíveis, divergências ideológicas, vontades autoritárias e falta de comunicação dão o tom de sua claudicante gestão. E enquanto o MEC enfrenta uma paralisia, o País continua a acumular péssimos índices na educação básica, com um número alarmante de alunos sem aprender português e matemática. Com um governo inoperante, a tendência é a situação piorar, comprometendo o futuro do ensino. Para a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Conseg), Cecília Motta, não existe, hoje, um comando no MEC e nem uma política de governo para a educação.

A última trapalhada do Ministério veio por meio de uma portaria, publicada na segunda-feira 25, que suspendia por dois anos o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), que só voltaria a ser realizado em 2021. A iniciativa arbitrária e tomada sem qualquer discussão interna motivou o pedido de demissão da secretária de Educação Básica do MEC, Tania Leme de Almeida, que desconhecia a intenção de protelá-lo. No dia seguinte, diante de uma reação vigorosa, o MEC, como já se tornou habitual, voltou atrás e revogou a portaria. Ainda bem. Eliminar um sistema de avaliação seria um retrocesso, principalmente em um País com um desempenho educacional tão pífio. Mas o recuo, que não veio acompanhado de esclarecimentos de como a avaliação será feita a partir de agora, expõe um problema de comunicação grave e uma falta de entrosamento entre as diversas secretarias do Ministério. “Acompanho o MEC de perto desde o governo Itamar Franco, no começo dos anos 1990, e nunca vi nada parecido com o que está acontecendo agora”, diz o diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna, Mozart Neves Ramos, que foi convidado a assumir o MEC, mas acabou vetado por pressão da bancada evangélica.

Na quarta-feira 27, em audiência pública na Câmara dos Deputados, Vélez era o retrato do caos no MEC. Chegou a defender a expansão do ensino cívico-militar, que, para ele, “afasta os traficantes das escolas” e citou como exemplo nada menos do que Pablo Escobar, “o senhor da droga colombiana”, que instalava campos de futebol e pequenas bibliotecas em Medellín para supostamente deixar as crianças longe da cocaína. Um dos pontos altos da audiência ocorreu quando o ministro foi enquadrado pela deputada Tabata Amaral (PDT-SP). Depois de uma aula sobre educação, ela cobrou a saída dele do cargo. Vélez, então, admitiu que o comando do Ministério “é um abacaxi do tamanho de um bonde”. Justificou ainda que o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Marcus Vinícius Rodrigues, responsável por baixar a portaria que suspendia o Saeb, foi exonerado do cargo porque “puxou o tapete”. “Ele mudou de forma abrupta o entendimento que já tinha sido feito para a preservação da Base Nacional Curricular e para fazer as avaliações de comum acordo com as secretarias de educação estaduais e municipais”, disse o ministro.

NEGLIGÊNCIA Perdido em questões secundárias, o MEC não cuida dos problemas de ensino (Crédito:Gabriel Chiarastelli)

Marcus Rodrigues, por sua vez, deu outra versão – escancarando a confusão gerencial no ministério: afirmou que assinou a portaria com o respaldo do seu superior, o secretário de Alfabetização do MEC, Carlos Nadalim. “Há uma incompetência gerencial muito grande dentro do MEC e, em três meses, não tive nenhuma reunião de trabalho com o ministro”, afirmou. Em solidariedade a Rodrigues, Paulo Teixeira, no dia seguinte, pediu demissão da diretoria de Avaliação da Educação Básica do Inep, que coordena o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A pessoa errada no MEC

Diante de tanta desordem, todos querem Vélez fora da pasta. Questionado pelos parlamentares sobre sua continuidade no governo, ele descartou um pedido de demissão e disse que fica no cargo “até que o senhor presidente me diga: ‘olha, os seus serviços…muito obrigado, tchau’”. Bolsonaro deu sinais de insatisfação com o ministro em entrevista à Rede Bandeirantes: “Temos que resolver a questão da educação. Realmente não estão dando certo as coisas lá, é um Ministério muito importante. Na minha volta da viagem a Israel vou conversar com o Vélez”, afirmou. À noite, diante de boatos que confirmavam a saída de Vélez do cargo, Bolsonaro negou, pelo Twitter, que havia decidido demiti-lo. “Ele tem problemas sim, ele é novo no assunto. Não possui tato político, vou conversar e tomar as decisões que devem ser tomadas.” Talvez tenha ganho mais um tempo no cargo apenas por birra do seu chefe com a mídia, que chegou a anunciar a sua saída.

As exonerações que o ministro vem fazendo estão contaminadas pela política e influenciadas pelo filósofo e astrólogo Olavo de Carvalho. Há dois grupos se digladiando no Ministério, o dos militares, com perfil mais técnico, e o dos seguidores de Carvalho, donos de uma pauta contra o “marxismo globalista”, que ele acredita contaminar a educação brasileira. O grupo de Carvalho, por ora, leva vantagem. Há também uma presença evangélica que se insinua vez ou outra para perturbar ainda mais o ambiente. Na semana passada, a educadora evangélica Iolene Lima havia sido nomeada para o cargo de secretária executiva do Ministério, substituindo Luiz Antonio Tozi, demitido por conta da pressão dos seguidores de Carvalho sobre Bolsonaro. Iolene era mal vista pelos técnicos do MEC devido a suas opiniões fundamentalistas. Para ela, “todos os conteúdos curriculares devem ser apresentados dentro de uma cosmovisão bíblica”. Por sorte, Iolene não chegou a assumir o cargo. “Parece que há um governo paralelo dentro do próprio governo. Percebemos um total desentrosamento e uma falta absoluta de tranqüilidade. Basta pensar que em menos de três meses tivemos quatro secretários executivos”, lamenta Mozart Ramos.

Na verdade, o MEC conseguiu acumular um problema triplo: não fixou uma agenda para a educação, deu ênfase para temas completamente descolados do debate, como a história do hino que deveria ser cantado nas escolas, o “homeschooling” e o ensino cívico militar, e não conseguiu conter uma disputa interna de poder que deflagrou um cenário de guerra. Para os educadores, a situação ficou confusa e preocupante e o ministro não está sabendo aproveitar uma janela de oportunidade, que é o início de um mandato presidencial, para fazer uma agenda estruturante à educação brasileira. Questões essenciais foram negligenciadas ou levadas adiante a passo de tartaruga, como a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a reforma do ensino médio e o edital do livro didático. “Não se sabe qual é o plano de avaliação até o fim do ano, não se sabe se vai acontecer e nem qual é o calendário”, diz o diretor de Política Educacional da ONG Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho.

A ingerência de Carvalho, que indicou o nome de Vélez para Bolsonaro, tem sido perturbadora para o funcionamento do Ministério. Em janeiro, sob sua influência, foi desmontada sumariamente a Assessoria Estratégica de Evidências do Ministério, que avaliava os resultados do programa de educação em tempo integral, criado em 2017, como parte da reforma do ensino médio. No começo de março, Carvalho pediu a demissão do coronel Ricardo Roquetti, que era diretor de programa da Secretaria Executiva e encabeçava o grupo dos militares no Ministério. Desde janeiro, ao menos 13 pessoas deixaram funções estratégicas, contribuindo para a sensação de colapso e falta de gestão. Há um grande vazio de ideias no MEC. Enquanto isso, a situação da educação no Brasil vai de mal a pior.