O próximo governo terá o desafio de tirar a educação pública brasileira de uma das maiores crises de sua história. Nunca, desde que os indicadores de desempenho educacional começaram a ser medidos, se viu um tombo tão grande de qualidade de ensino e de nível de aprendizado entre os alunos dos cursos fundamental e médio. Crianças de oito anos não conseguem interpretar um texto de duas linhas e nos primeiros anos de escola não sabem ler, escrever e nem fazer contas simples de matemática. Nos últimos três anos, o número de jovens estudantes do segundo ano do fundamental que não lêem nem mesmo palavras isoladas mais do que dobrou, saltando de 15,5% para 33,8% e regredindo aos níveis de 2013.

A qualidade da aprendizagem em matemática também caiu: se, em 2019, 16% das crianças não sabiam fazer operações básicas, como soma e subtração, hoje esse percentual é de 22%, segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na sua primeira avaliação pós-pandemia. A situação atual ameaça o aprendizado de toda uma geração.

Educadores estão preocupados com a recuperação do tempo perdido e com o aperfeiçoamento do sistema de ensino. “O problema é muito grande, mas temos saídas”, afirma Olavo Nogueira Filho, diretor da organização Todos pela Educação. “A primeira delas é reabrir o MEC e voltar a ter um ministério que coordene uma política nacional de educação.” Segundo ele, parte dos problemas atuais está associada ao fato do governo federal ter virado as costas para estados e municípios durante a pandemia e depois dela. A volta ao normal depende agora da implementação imediata de medidas de emergência relacionadas à contenção da evasão escolar, que atingiu níveis alarmantes nos últimos dois anos, e ao aumento dos cuidados com a saúde emocional dos alunos. Além disso, é preciso levar adiante a agenda de mudanças estruturais, que inclui, por exemplo, a ampliação do número de escolas que atendem os alunos em tempo integral. “Hoje, a média de permanência dos alunos nas salas de aula é de cinco horas por dia. Queremos aumentar para 7 horas, que é a carga horária que os países desenvolvidos adotam há muito tempo”, afirma Nogueira Filho.

A falta de gestão e o desperdício de recursos atualmente são tão grandes que a mera substituição do atual governo deve causar efeitos positivos em todo o sistema. Assolado por denúncias de corrupção, o MEC não dá respostas e soluções para os problemas estruturais e conjunturais. E a perda de qualidade resultante do abandono de políticas públicas se reflete de maneira capilarizada nas escolas de todo o País. Falta acolhimento e a desigualdade nas condições de ensino tendeu a se acentuar durante a pandemia. Além disso, experiências educacionais bem sucedidas espalhadas pelo Brasil estão sendo pouco replicadas porque o governo não se preocupa em reduzir os níveis de analfabetismo. O que acontecem, por exemplo, são iniciativas bem-sucedidas dos governos estaduais e municipais, que, numa situação normal, com um governo federal atuais, estariam sendo reproduzidas em outras cidades e regiões. Isso acontece, por exemplo, com a experiência de alfabetização no Ceará, onde, até dez anos atrás, 35% das crianças com 7 anos concluíam o segundo ano do ensino fundamental alfabetizadas e atualmente esse percentual é de 90%.

Governo inoperante

Com a permanência do atual governo, que pouco fez nos últimos quatros anos e que não tem planos para o MEC, qualquer expectativa de evolução é temerária. Educadores são unânimes em dizer que parte dos problemas está diretamente associada com uma gestão catastrófica feita pelo governo Bolsonaro, que só tem interesse nas escolas cívico-militares e no homeschooling e trata todo o resto de maneira secundária. Em vez de melhorar a educação, tenta empurrar bíblias para eleitores com objetivos eleitorais e agora lançou um aplicativo de alfabetização chamado GraphoGame que Bolsonaro tem promovido em sua campanha pela TV. O governo atual acredita em soluções mágicas e pouco se importa com o papel dos professores e com o desenvolvimento cognitivo e emocional dos estudantes brasileiros. Não se pode ignorar, porém, que mesmo com todos os esforços dispendidos, serão necessários muitos anos para se reequilibrar e aperfeiçoar o sistema educacional depois da terra devastada.

Apagão do MEC causa pior queda da história no desempenho dos estudantes brasileiros