Em 2014, a Polícia Federal deflagrou a Operação Terra Prometida, que investigava a  invasão de terras públicas que faziam parte de um projeto de assentamento da União em Itanhangá (MT). Na época, alguns fazendeiros foram alvos dessa ação. Recentemente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) atuou junto à presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Brasília, para defender esses homens. As informações são do colunista do UOL Rubens Valente.

Na época, o próprio Incra apoiou a apuração realizada pela PF e pelo Ministério Público Federal (MPF), que concluiu que os assentamentos criados em 1995 “foram transferidos ilegalmente mais de mil lotes para cerca de pouco mais de 80 fazendeiros e grupos familiares”.

Em 2021, a denúncia foi entregue à Justiça Federal e mais de 50 pessoas foram detidas, além da abertura de 53 inquéritos e dezenas de ações penais e cíveis.

A Operação Terra Prometida atingiu políticos da região e familiares do deputado federal Neri Geller, que é um importante líder do agronegócio e atua na base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Reunião de Eduardo Bolsonaro com comando do Incra

No dia 10 de março deste ano, Eduardo Bolsonaro escreveu nas suas redes sociais que acompanhou os deputados estaduais Gilberto Cattani (PL-MT) e Gil Diniz (PL-SP) “no Incra levando as demandas de assentados, uma autarquia que merece ser valorizada em virtude de seu ofício árduo. São eles que vão na ponta dar dignidade a pessoas que esperam, às vezes por décadas, uma titulação de terra”.

O filho do presidente Jair Bolsonaro e os parlamentares se reuniram com o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento, Giuseppe Vieira, com a procuradora chefe do Incra, Renata Carvalho, e com a diretora de Governança Fundiária, Eleusa Gutemberg.

A assessoria do órgão informou por meio de nota que o presidente, Geraldo Melo Filho, não participou da reunião porque teve de viajar por motivo pessoal.

Ao ser questionado sobre as demandas, o Incra comunicou que os presentes apresentaram quatro itens que foram: “Obrigatoriedade para o cliente da reforma agrária estar no CADúnico; Marco temporal da regularização fundiária; PA [projeto de assentamento] Japuranã; PA Itanhangá e PA Itapurah”.

Também ressaltou que aguarda a tramitação da decisão judicial sobre a reintegração de posse do assentamento em Itanhangá.

“Os processos referentes aos lotes que foram objeto de investigação e que a Polícia Federal, através da autoridade policial, concluiu por indício criminal, administrativamente, foram todos instruídos e remetidos à Procuradoria Federal do Incra, com proposta de ação de reintegração de posse. O litígio faz parte de ação da AGU [Advocacia Geral da União] através do ‘contencioso’, competindo à Autarquia Incra aguardar trânsito em julgado com decisão judicial de reintegração”, completou.

O Incra se recusou a informar a íntegra dos documentos entregues por Eduardo Bolsonaro e Gilberto Cattani. Como justificativa, o órgão ressaltou que o colunista Rubens Valente solicitou esse material por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e, por isso, deve aguardar a resposta por esse canal.

Acampados esperam ação do Incra

O presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Planalto (Assoplan), Fábio Bento Machado, afirmou que 260 famílias vivem acampadas no assentamento. Ainda segundo ele, essas pessoas não têm o intuito de tomar as terras e também não invadiram os lotes.

Fábio ressaltou que, desde 2014, o Incra se mantém inerte porque “se trata de grandes latifundiários e políticos”.

“O clima na região está muito tenso, a situação é complicada. Eu estou no programa de proteção do governo. Há várias ameaças de morte. O Incra tem como resolver a situação dos acampados, é só fazer a reintegração dos lotes com problema e seguir o programa da reforma agrária, é isso que nós queremos e estamos aguardando.”

Ele também afirmou que não participou da reunião na qual Eduardo Bolsonaro e Cattani entregaram documentos ao Incra, assim como outros órgãos públicos que acompanham o assunto.

O que diz os parlamentares

O colunista procurou o deputado federal Eduardo Bolsonaro por telefone para comentar o assunto, mas não obteve retorno.

A assessoria de imprensa do parlamentar também não respondeu.

Gilberto Cattani afirmou, por meio de áudios, que Eduardo auxiliou na realização da reunião com o comando do Incra. Ressaltou que pediu ao órgão “que defenda os produtores rurais, e não essa bandidagem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)”.

Procurado, o MST afirmou que não atua em Itanhangá.

A assessoria do deputado Neri Geller informou que ele não foi alvo da Operação Terra Prometida. “Naturalmente não há qualquer processo ou condenação em relação a isso. Ele prontamente prestou esclarecimentos na Comissão de Ética da Câmara Federal e teve voto pelo arquivamento já que não constava qualquer denúncia ou prova que desabonasse sua conduta pública e pessoal.”

Também ressaltou que foi solicitada à PF “documentação que sustentasse as acusações e que pudesse, sobremaneira, comprometer sua reputação, e em ofício datado de 27 de agosto de 2015 foi refutada qualquer possibilidade de participação de Neri Geller nos fatos”.