Conhecemos muito bem o germinar das ditaduras. E no que elas degeneram. Nem todos sabem, no entanto, como os ditadores morrem. A retrospectiva histórica é implacável, por desalentadora: os que, em vida, transformaram as horas em cinzas — “esta pouca cinza fria”, como dizia Manuel Bandeira —, no apagar da chama cobriram-se de louros, quando não de ouros.

O general García Moreno, por exemplo, governou o Equador durante 16 anos como um monarca absoluto. Morreu em 1875. Seu cadáver foi velado não na horizontal, como de costume, mas acomodado na cadeira de presidente. Com uniforme de gala, faixa presidencial e uma couraça de condecorações. Há quem brinque que, embora empalhado, García teve a audácia — típica dos déspotas — de presidir o próprio funeral. Antonio López de Santana, ditador mexicano entre 1833 e 1855, inovou. Mandou enterrar a perna direita perdida na chamada Guerra dos Bolos. Ao comandar o cortejo de um membro de seu corpo, organizou um desfile militar sem precedentes, com meia dúzia de bandas do Exército e a presença da cúpula da Igreja. Quando faleceu, Santana acabou agraciado com um culto áureo. “Da longa lista de ditadorezinhos que envergonharam a história da América Latina, a grande maioria morreu com muito dinheiro e até mesmo sendo respeitados, depois de terem banhado com sangue e envergonhado os seus países”, lamentou recentemente Mario Vargas Llosa.

Dos sátrapas de que a América Latina padeceu, Fidel Castro foi o que legou aos herdeiros maior fortuna. O ex-ditador cubano, falecido em novembro de 2016, acumulou bens estimados em US$ 900 milhões, segundo a revista Forbes. O dinheiro guardava relação com sua ascendência sobre empresas de propriedade do Estado cubano. O Estado Leviatã, a quem Thomas Hobbes chamou de “deus mortal”, na verdade, era Fidel. Durante os nove dias de luto decretados pelo presidente Raúl Castro, em razão da morte do irmão, os apresentadores dos canais de TV cubanos ficaram proibidos de dizer “bom dia”, sob o argumento de que configuraria um desrespeito ao momento fúnebre. Obrigados a manifestar reverência ao iniciar os telejornais, trocaram o tradicional cumprimento matinal por “saudações”. Hoje, os filhos de Fidel saúdam a riqueza. Em 2017, Antonio Castro foi flagrado em Bodrum, na Turquia, curtindo a vida adoidado. Num luxuoso resort turco havia alugado cinco suítes para 12 acompanhantes. Imagina a festa. Castrinho desembarcou no local a bordo de um iate alugado na ilha grega Mykonos. Em outra ilha, Cuba, cujos reflexos dos 57 anos de ditadura castrista são amargados até hoje, a população costuma comemorar com demasiada pompa o 1º de janeiro de 1959. Um contrassenso, para dizer o mínimo. O regime sanguinário produziu mortos ou desaparecidos na proporção de 65 por 100 mil habitantes. O horror! Aqui, quem horroriza-se com isso não se escandaliza com as 434 vítimas dos 21 anos sob o jugo militar. Pelo contrário: assim como os cubanos, também comemora.

 


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