“Se a pandemia tomar conta e nós não fizermos as nossas reformas, a perda do PIB pode chegar até 1%” Paulo Guedes, ministro da Economia (Crédito:Wilson Dias/Agência Brasil)

Os últimos dias foram de pânico nos mercados globais. Desde 2008, quando a crise em Wall Street levou à maior crise sistêmica desde a Depressão dos anos 1920, não havia reações tão extremadas na economia. As Bolsas pelo mundo despencaram. A de Nova York teve perdas superiores a 20% e regressou aos níveis de setembro de 2017. O tombo na última quinta-feira, 12, após Donald Trump anunciar que impediria a entrada de europeus no país, se aproximou da retração histórica registrada em outubro de 1987. Na Europa, apenas nesse dia, as perdas ultrapassavam 10%. No Brasil, a B3 regrediu 15% no começo das operações e precisou acionar o circuit breaker, mecanismo que paralisa as operações diante de quedas drásticas. Foi a quarta vez que isso aconteceu na semana. O índice Ibovespa declinou na última semana para a faixa de 71 mil pontos, queda de 40% em relação ao pico de janeiro (119 mil pontos). No sentido oposto, o dólar disparou e ultrapassou a cotação de 5 reais, em mais um recorde nominal — um salto de 25% em relação ao início do ano, quando estava em 4,02 reais.

“Sair da regra do teto fiscal seria uma das sugestões mais equivocadas nesse momento de crise” Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados (Crédito:Divulgação)

O FMI já alertava para a desaceleração da economia global antes da crise. O surto precipitou uma guerra comercial no mercado do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita, o que derrubou o preço da commodity. A questão não é mais saber se a economia será afetada, mas dimensionar a gravidade dos efeitos tanto no País como no exterior. A OCDE previu que o crescimento mundial em 2020 será cortado pela metade — de 2,9% para 1,5%. Isso significa que os países da zona do euro e o Japão devem entrar em recessão este ano. A China não deve crescer nem 5% (contra 6,1% no ano passado), menor expansão dos últimos 30 anos. Os mercados financeiros globais vão encolher 20%. Agora, a expectativa é saber o que vai acontecer nos EUA. “O consumo foi o carro chefe do crescimento dos EUA ao longo dos últimos anos. Tem uma grande chance de ver uma desaceleração complexa num ano de eleição”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Isso afetaria todo o planeta. De olho na sua reeleição, Trump minimizou o surto até a última semana, para depois mudar radicalmente seu discurso.

Anunciou o relaxamento em taxas de seguro social sobre os contracheques, o que daria um alívio para empresas e trabalhadores. Mas isso agravaria uma das principais vulnerabilidades da economia do país, o déficit público, que deve superar US$ 1 trilhão este ano. No curto prazo, o Fed, banco central americano, decidiu injetar US$ 1,5 trilhão nos mercados financeiros.

No Brasil, o ministro Paulo Guedes, já anunciou que o crescimento do PIB pode ser cortado em até 1%, no pior cenário. Nesse caso, a expansão da economia igualaria o resultado de 2019 — 1,1%. Representaria o quarto ano seguido de baixo crescimento após a recessão. Esse índice é quase a metade do projetado pelo governo. Esta semana, o Ministério da Economia havia baixado a previsão de alta para 2,1%, contra uma projeção inicial de 2,4%. O ministro, no entanto, acha que o quadro mais realista é de uma perda de 0,3 ponto percentual em 2020 por causa do coronavírus. Nesse caso, a alta do PIB seria de 1,8%. Os analistas consultados pelo BC, por outro lado, já consideravam no início da semana, antes do agravamento da crise, que a expansão de 2020 seria de 1,99%.

O Brasil hoje tem menos instrumentos para lidar com a crise do que em 2008, quando crescia e o real estava mais forte. As contas fiscais e externas estavam mais equilibradas. Por conta disso, o País tinha conquistado o “investment grade” das agências internacionais. Agora, ao contrário, o risco-país medido pelo CDS (Credit Defautl Swap) de 5 anos, título usado para avaliar a capacidade de um país honrar suas dívidas, saltou mais de 58%, acima de 350 pontos. É o maior patamar desde novembro de 2016, no período pós-impeachment.

Medidas contra a crise

Neste momento, para o governo, acelerar as reformas ajudaria a aumentar a confiança na economia, que tem tido dificuldades em atrair investimentos. Para atenuar a alta do dólar, o BC tem corretamente realizado leilões de Swap cambial, o que diminui a volatilidade da moeda. Mas tem evitado medidas drásticas como a venda de reservas cambiais, o que levaria o mercado a testar ainda mais as altas do dólar. Ainda não cogita afrouxar o depósito compulsório em poder dos bancos, o que liberaria mais dinheiro para o crédito. A pior medida seria abandonar a disciplina fiscal e driblar o teto de gastos. “Você pode dar estímulos para que as empresas continuem funcionando no momento em que não vão conseguir produzir e vender. Talvez dar um estímulo de crédito. Sair da regra do teto seria uma das sugestões mais equivocadas em um momento de crise como essa”, diz Vale. O economista acha que até o final do ano o dólar deve voltar à casa de 4,30, o que já seria “excelente para os exportadores”. E que o crescimento ainda pode chegar a 1,5% do PIB. O surto do coronavírus acelerou uma crise econômica global que já estava em curso. A combinação de economia global declinante, insegurança com o surto e a perspectiva de uma guerra comercial do óleo criaram uma tempestade perfeita. Agora, resta ao governo e ao Congresso uma resposta serena, equilibrada e focada para atravessar a tormenta.