A ação deve mudar de escala, e o mundo precisa chegar a um acordo para salvar a natureza, afirmou à AFP Marco Lambertini, diretor-geral do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), cujo último relatório aponta uma queda de 60% dos vertebrados salvagens em 40 anos.

P: Cada nova edição do relatório Planeta Vivo mostra uma redução da fauna selvagem no mundo. Como resumir a situação atual?

R: “A situação é verdadeiramente ruim, dizemos isso há um tempo, mas não deixa de piorar. Colocou-se muita atenção no clima. Mas esquecemos outros ‘sistemas’ (florestas, oceanos, etc.), interconectados com o clima e muito importantes para a conservação da vida na Terra.

O ser humano evoluiu durante 2 milhões de anos em uma natureza abundante, rica… Entretanto, começamos a alterar a biosfera até o ponto de levar alguns sistemas à beira do colapso.

A única boa notícia é que sabemos exatamente o que está acontecendo. Esperamos que isso ajude a fornecer a resposta adequada. Para o clima, precisamos ver como se intensificavam os acontecimentos extremos antes de assinar o Acordo de Paris.

A natureza é um pouco menos clara na relação causa-efeito: não sentiremos o desmatamento nem a extinção de espécies na pele, como sentimos o calor ou o vento”.

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P: Como explicar esta degradação e seu ritmo inédito? O relatório fala de um “consumo humano louco”.

R: “É isso que os cientistas chamam de ‘a grande aceleração’, que se produziu nos últimos 50 anos. O crescimento e o consumo exponenciais de tudo: energia, água, madeira, peixes, alimentos, fertilizantes, pesticidas, minerais… tudo. É evidente que não é sustentável. Alguns ‘sistemas’ absorvem esses impactos há décadas, mas estamos chegando a patamares críticos.

O consumo de energia – e a maneira como a produzimos – é um elemento importante. O consumo de alimentos é o outro grande fator: 40% dos solos foram convertidos para fins de produção alimentícia, 70% dos recursos de água servem para isso, mais de 30% dos gases com efeito estufa surgem daí. A soja, o óleo de palma e o gado bovino causam 80% do desmatamento do planeta na atualidade”.

P: O que fazer? Frente ‘à grande aceleração’, os esforços de conservação – áreas protegidas, cotas, etc – parecem irrisórios.

R: “Esses esforços deram seus frutos, tanto no nível de espécies como de lugares. Mas o enfoque deve mudar. Pois nos encontramos frente a uma aceleração dos impactos sem precedentes. O relatório dos especialistas da ONU sobre o clima diz que é preciso chegar a uma neutralidade de carbono em 2050 [e não emitir mais gases com efeito estufa do que podemos absorver]. Isso significa parar o desmatamento, acabar com a perda de biodiversidade.

O que nos leva ao ‘acordo pela natureza’. Como em Paris pelo clima, devemos mostrar os riscos para nós, humanos, em perder a natureza. Nos próximos doze meses, ONGs, pesquisadores… teremos que definir uma meta clara e direta, equivalente ao objetivo de 1,5ºC/2ºC do clima. Sem isso, não receberemos atenção suficiente.

Falta uma revolução cultural que valorize verdadeiramente a natureza, que lhe dê, no sentido próprio, um valor. E isso é o mais difícil. As pessoas têm plantas em seu apartamento, mimam seus cachorros, suprindo seu desejo de natureza de forma artificial e esquecendo-se o que ocorre com a verdadeira natureza, ali fora.

Essa desconexão é perigosa, precisamos nos reconectar com a natureza. A humanidade enfraquece ecossistemas que nos fazem viver gratuitamente desde a nossa aparição na Terra, e esses ecossistemas estão diminuindo”.


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